- E, aos fins-de-semana, tudo o que eu tinha à minha espera, naquela casa humilde mas tão impregnada de calor humano, era uma velha guitarra ou uma velha canção que mudava quando regressava – e eu era tão estúpida ou demasiado ingénua para perceber que não era o lugar que estava diferente; era eu.
Rina Cukaj desvia o olhar para não me deixar ver cair uma lágrima. Com as costas da mão esquerda limpa o rosto, talvez porque a estas memórias estão associadas outras, de um tempo difícil, marcado por conflitos, das quais não revela vontade de falar.
- A imagem mais vívida que tenho é de todas essas noites à volta da lareira, bebendo e cantando e rindo. E sabes o que tenho na minha mente, bloqueando-me o cérebro por um minuto? Uma simples fotografia cheia de sorrisos genuínos numa dessas noites.
Projecto ambicioso
Por estes lugares remotos, os turistas ainda são, por estes dias, raros. Mas, de forma gradual, Rugova vai atraindo cada vez mais visitantes, especialmente de há três anos a esta parte, desde que foi criado o projecto “Picos dos Balcãs”, que cobre as fronteiras do Kosovo, da Albânia e do Montenegro, num percurso total de quase duas centenas de quilómetros que podem ser percorridos em dez etapas, dependendo a sua duração da motivação e da condição física (entre 10 a 13 dias e tanto pode ter início em Theth, na Albânia, como em Plav, no Montenegro, ou em Peja). O programa, ambicioso, beneficia da beleza de uma região até há bem pouco tempo ignorada e escassamente habitada, preservando o seu fascínio e carácter autêntico (muitos dos trilhos eram utilizados por pastores), se bem que soube tirar partido de um trunfo não menos importante para se valorizar aos olhos da comunidade internacional — o primeiro prémio mundial, em Abril de 2013, em Abu Dhabi, na categoria “Tourism for Tomorrow”, no World Travel and Tourism Council (WTTC).
Rugova, com as suas múltiplas actividades, tanto no Verão como no Inverno, representa, por outro lado, uma oportunidade para satisfazer tanto os admiradores da natureza selvagem como todos os outros que apreciam o lado idílico de aldeias solitárias e tão banhadas de silêncio. A água, cristalina, desempenha um papel fundamental e seduz tanto pescadores (abunda a truta) como famílias que simplesmente gostam de caminhar, ao fim-de-semana, de mão dada com os filhos, nas margens do rio Drini i Bardine, atravessado por uma elegante ponte de pedra.
- Lembro-me de que passávamos os verões a nadar em águas tão frias como no Pólo Norte. Mas quem se importava? Estávamos demasiado ocupados em ser felizes, nada preocupados com o dia seguinte porque tudo o que tínhamos era aquele momento e aquele dia, recorda Rina Cukaj com uma certa melancolia que por instantes lhe prende a voz.
Um pouco por todo o lado, dispondo de tempo, se encontram verdadeiros milagres que a natureza produz por entre as montanhas que impõem respeito. A mais de 1800 metros acima do nível das águas do mar, num quadro de quietude, verdadeiramente assombroso, encontram-se dois lagos, o Liqenati e o Kuqishtes; caindo das alturas, ruidosas, são muitas as cascatas que decoram o cenário, entre elas — talvez as mais impressionantes — as que se situam próximas das aldeias de Reka e de Allages; a flora e a fauna são ricas e respeitadas pelos habitantes (um pouco menos por alguns visitantes que não hesitam em lançar lixo pela janela do carro para a berma da estrada) como se de um tesouro se tratasse — e é na verdade um tesouro, o mais valioso, na região de Rugova, a despeito de atrair igualmente viajantes em busca de actividades recreativas ou de tradições que se vão perdendo mas que se preservam nesta zona montanhosa (em algumas ocasiões, continuam a usar-se os trajes tradicionais e cozinha-se como sempre se cozinhou).