Ana Hernandez Martin estava triste nessa manhã em que as nuvens, como carneiros voando sob um céu parcialmente pintado de azul, ameaçavam Barcelona, tocando-lhe de leve, como se a desejassem acariciar. El Born permanece silente e Ana Hernandez Martin, caminhando com passos lentos, não quebra esse silêncio, como se entre ela e aquele emaranhado de casas, caindo sobre as ruas e vielas e mergulhando-as numa semipenumbra, existisse um pacto de cumplicidade.
Os seus olhos, de um verde quase sempre resplandecente, estão agora envoltos numa névoa, sem brilho, sem expressão.
Ainda é muito cedo, Barcelona teima em não despertar, pelo menos neste bairro que, ainda que por breves instantes, evoca um outro tempo, os primeiros anos da década de 1990, quando era cenário de bares e restaurantes decadentes, tão em contraste com os espaços coloridos e vibrantes dos dias de hoje, uma simbiose perfeita, tão cosmopolita como heterodoxa na magnificência de um palco saído da Idade Média.
Ana Hernandez Martin ainda não recebeu uma rosa. Porque o sol só agora se levanta mas também porque, contrariando expectativas que se misturam em forma de sonhos, o fim chega quase sempre sem se anunciar.
Hoje é Diada de Sant Jordi.
Uma relação de sete anos, que sugeria, na puerilidade dos sentimentos, uma ligação capaz de resistir a tudo, mesmo aos silêncios que vão corroendo sem deles termos a percepção, chega ao fim — e tudo se esvai, como a memória, os momentos românticos em que se oferece um livro ou uma rosa, se fazem promessas eternas, os sorrisos que aparentemente nada têm de efémeros, pelo contrário, ameaçam prolongar-se, como fazendo parte de uma receita de amor.
Aos poucos, à medida que as Ramblas se anunciam, a vida começa a fervilhar. Por aqui e por ali, as bandeiras da Catalunha decoram os prédios majestosos, transformando-os num mar de amarelo e vermelho. As bancas estão montadas, correm de um lado e do outro, livros e rosas não tardarão a ser expostos e contemplados por milhares de homens e mulheres.
- Viver, uma única vez que seja, a experiência de um dia de Sant Jordi em Barcelona é de cortar a respiração. Quando acordamos, sentimo-nos invadidos por um sentimento de alegria porque sabemos que este é o dia mais bonito na Catalunha. O ambiente é mágico, todas as ruas (e não apenas no centro mas em muitos bairros da cidade) se enchem de barraquinhas de livros e flores.
À medida que a manhã se esgota, cheia de luz, verifico que Carina Sànchez, com quem conversara na véspera na delegação do turismo, me pintara uma atmosfera isenta de exageros.
- As pessoas caminham, para cima e para baixo, sem pressa, detendo-se nesta e naquela banca, olhando os livros, comprando rosas. Algumas são vendidas por diferentes organizações não governamentais ou por estudantes, neste último caso para suportarem, com a receita, uma parte das suas viagens de finalistas.
Ao meu lado, Ana Hernandez Martin nada diz, a tudo e a todos dirige olhares indiferentes, como se não fizesse parte deste tempo de felicidade. Respeitando esse silêncio, concentro-me nas palavras, pronunciadas com ênfase, de Carina Sànchez, como se dela tivesse recebido um mapa que agora procuro seguir.