A velha câmara (Altes Rathaus) fica numa das pontas da praça, um edifício discreto, que pouco deve já ao original medieval. Entre a destruição causada por um raio, no século XV, e os bombardeamentos da II Guerra Mundial, foi preciso reconstruí-la, transformando-a no que hoje é a casa do Museu do Brinquedo.
Antes de deixar a praça, perca uns segundos a observar a Coluna de Santa Maria — é ela quem dá o nome ao local, pelo que é bom que lhe dê pelo menos uma espreitadela antes de partir para um dos outros pontos de interesse da clássica Munique. E nem precisa de ir muito longe. A Igreja de São Pedro, a mais antiga da cidade, é ali bem perto e a Igreja de Nossa Senhora, com as suas cúpulas redondas e altas torres, está a uma curta caminhada de distância. Erguendo-se 99 metros acima do solo, o templo do século XV marca quão alto podem crescer os restantes edifícios do centro da cidade — nenhum pode ser mais alto do que ele. “Os habitantes não gostaram quando viram nascer um arranha-céus no horizonte e decidiram que não queriam que Munique se tornasse numa espécie de Frankfurt”, explica Thomas Deppe. Do alto da câmara nova, não parece haver risco de que tal aconteça. No interior da igreja, junto à porta principal, repare na pegada cravada na pedra do chão. Viu-a? Ela é a imagem de uma lenda que rodeia a construção da igreja, desenvolvida ao longo de 20 anos. Reza, então, a história que Jörg von Halsbach, o construtor da igreja, aceitou a ajuda do diabo, para que as obras progredissem sem problemas, comprometendo-se, em troca, a não colocar qualquer janela no edifício, impedindo a entrada do sol. No final das obras, o diabo visitou o edifício e, apercebendo-se de aberturas camufladas nas paredes, bateu com o pé no chão, de pura fúria, deixando a marca que ali ainda se vê.
Munique, a cidade que viu nascer o nazismo, sofreu muito na II Guerra Mundial com os bombardeamentos, mas hoje já quase não se nota, não fossem as construções sóbrias e de linhas rectas que se fundem com os edifícios mais antigos do centro da cidade, mas sem os seus ornamentos e marcas de outros tempos. E em lado algum é tão visível a reconstrução meticulosa de que a cidade bávara foi alvo como na Residenz.
A casa dos reis da Baviera durante séculos precisa de tempo para ser apreciada como merece. Deve ser sacrilégio passar pelos quartos e salas quase a correr como fizemos. E quando estiver de boca aberta, a pensar em como todos aqueles espaços estão impecavelmente preservados, pense que, durante a guerra, os bombardeamentos deixaram intactos apenas 50 metros quadrados dos 25 mil metros quadrados de telhado do velho palácio. Muito do que ali está é, por isso, fruto de uma renovação que ainda continua, mais de 70 anos depois do fim do conflito mundial.
Um rápido passeio pela Munique histórica poderia terminar aqui, aconselhando-o, em seguida, a arranjar uma mesa na Hofbräuhaus, a cervejaria mais conhecida da cidade — e que, claro, também tem a sua própria lenda associada, além de ter a sua parte no que terá sido o período mais negro da cidade, durante a ascensão do nazismo, com alguns dos maiores comícios promovidos por Adolf Hitler a acontecerem no salão de baile, no topo do edifício. Com os seus tectos pintados, a Hofbräuhaus serve cerveja e comida desde 1644 e o seu cliente mais antigo (aqui vem a lenda) será Alois Hingerl, que se diz ter feito tal estardalhaço ao chegar ao céu, depois de morrer, por causa da falta que lhe fazia a cerveja de Munique, que Deus teve pena dele e o enviou, já como anjo, com a missão de levar uma mensagem inspiradora ao governo da cidade. Só que, assim que sentiu o ar de Munique, Alois esqueceu-se da missão e foi direitinho para a Hofbräuhaus, onde se diz que está, até hoje, a apreciar as suas canecas de cerveja. E, irónicos, os habitantes da cidade dizem que o governo continua à espera da tal inspiração que nunca chegou…