O conceito, criado por Jean Blaise (desde então director daquela entidade e, desde 2014, também responsável pela Missão Nacional para a Arte e Cultura no Espaço Público), reúne não só os departamentos locais de turismo e de cultura, como se materializa num percurso turístico traçado a verde pela cidade e num festival de Verão. Durante os meses estivais, “artistas, designers, jardineiros, cozinheiros, DJ e graffiters são convidados a expressar a sua criatividade em espaços públicos”, invadindo as ruas que compõem o circuito com instalações artísticas, performances, concertos, exposições, mobiliário urbano inusitado, jantares secretos, entre outros. Tudo o que é turismo, arte e cultura na cidade tem o dedo da Le Voyage à Nantes.
Siga a linha no chão
Do empedrado que se quadricula aos nossos pés sobressai um traço verde obstinado. Segue pela margem do passeio em linha recta, a espessura suficiente para fazer-se notado, até desaparecer lá ao fundo, dobrado em ângulo de régua e esquadro sobre a esquina. Por vezes, personificando o carácter irreverente e moderno que a cidade quer transparecer, também o risco se rebela contra a geometria e ondula-se pelo chão, transforma-se em jogo de macaca, mas nunca abandona funções: unir os mais importantes monumentos e atracções históricas, arquitectónicas, artísticas e culturais da cidade num trajecto circular de 12 quilómetros pelas principais ruas e praças. É como se o circuito turístico que o ávido viajante habitualmente traça no mapa tivesse ganho vida em Nantes. Da caneta no papel para a tinta no chão. Um fio cor de alface a tecer as soluções do labirinto turístico no tecido urbano da cidade.
Em frente ao Castelo dos Duques da Bretanha, contudo, a linha passa quase despercebida, gasta nos sapatos de visitantes e transeuntes, desvanecida para que não roube protagonismo ao portentoso château. O edifício, de carapaça em fortaleza e rodeado por um manso lago de fossas, começou a ser construído no século XIII por Francisco II, último duque da Bretanha independente de França. O objectivo era duplo: servir de protecção contra os inimigos e mostrar o poder de uma região que se debatia por continuar autónoma. A verdade é que quando a fortificação é concluída pela filha, Ana da Bretanha, já a região integrava o território francês, a disputa terminada com o casamento entre Ana e Carlos VIII, então rei de França. Quando este morre, Ana casa com o sucessor, Luís XII, tornando-se rainha de França pela segunda vez — título que qualquer nantês mencionará automaticamente ao falar de uma das figuras mais queridas da região.
Entretanto, uma vez perdida a necessidade de defesa, o castelo aprincesa-se no interior e o edifício maior — e o mais antigo, edificado por Ana da Bretanha — ganha contornos suaves de conto de fadas, agora restituídos ao brilho de outros tempos e albergando, desde 2007, o Museu da História de Nantes. Depois de ter sido residência oficial dos reis franceses em visita à região da Bretanha, o castelo foi perdendo importância. Foi quartel militar, arsenal, prisão e até bunker durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial até ser votado ao abandono, símbolo de uma História pouco apaziguadora e geradora de sentimentos contraditórios. O restauro do castelo no início deste século — e que hoje integra não só o museu, como uma sala de exposições, um restaurante e uma loja e livraria — marcou também, por isso, o início das pazes da cidade com o seu passado e é hoje o principal símbolo da ligação histórica de Nantes à Bretanha.