Todos os anos vão surgindo mais peças e durante os meses de Verão há quem tenha produtos especiais ou instalações artísticas no interior das lojas, além das obras de arte urbana que invadem o espaço público durante o festival. “A cidade é a mesma mas criamos coisas novas em cada ano para tornar a experiência sempre diferente”, indica a guia. Entre Julho e Agosto, a linha verde alarga-se, ganha desvios e atracções. “Umas tornam-se permanentes, outras saem no final.” A Place du Bouffay, por exemplo, uma das principais praças da cidade e palco de execuções na Revolução Francesa, transformou-se no ano passado numa espécie de montanha-russa com cadeiras de esplanada. Este ano, a nova instalação ainda está no segredo dos deuses e o largo quadrangular surge quase deserto, aberto ao rio que já não é rio, em frente à ilha que já não é ilha.
Feydeau é agora bairro contíguo à cidade, mas os jardins que o rodeiam mantiveram-lhe a forma comprida e estreita, arredondada nas pontas. Parece um navio encalhado no centro da cidade e faz, na verdade, parte de uma mancha na paisagem histórica que Nantes tentou afundar na memória. A comparação não é inocente. As casas que ainda hoje se erguem no quarteirão foram construídas pela burguesia do século XVIII, quando Nantes enriquecia à conta do mercado marítimo, especialmente com o tráfico de escravos. Até meados do século XIX, Nantes foi o principal porto francês do comércio negreiro, ponte entre África e as Américas, e era naquele bairro que viviam os armadores dos navios. Em muitas das fachadas alvas e nobres, com balaústres em ferro forjado nas varandas e inclinadas devido à salubridade do solo, ainda se encontram vários mascarons com simbolismos ligados aos temas marítimos.
Não muito longe daqui, mas já sobre a margem do Loire, fica o Memorial à Abolição da Escravatura, criado em 2012. Aos nossos pés, quase duas mil placas de vidro não deixam esquecer o nome de cada navio que participou nas expedições esclavagistas a partir de Nantes. Por baixo, um corredor sombrio obriga-nos a mergulhar na história da escravatura, para depois homenagear todos aqueles que lutaram e lutam pela sua abolição, com citações de todo o mundo e de diferentes quadrantes, de Bob Marley a Martin Luther King. A maré faz-se ouvir de encontro à parede, a penumbra ajuda a transmitir a sensação vivida no porão de um daqueles navios. Quantas vidas?
Uma ilha, um rio de arte
No outro lado do rio, a ilha de Nantes, zona de estaleiros navais e indústria até ao final dos anos 1980, parece hoje um parque de diversões. Quer ser a cara da nova Nantes: moderna, irreverente e artística. O plano de reabilitação da zona concentra-se em três frentes: “escritórios, alojamento e lazer”, resume Bénédicte Péchereau, do Turismo de Nantes. O objectivo a médio prazo é transformar aqueles 15 hectares num Bairro da Criação, concentrando empresas, artistas e escolas ligadas às indústrias culturais e criativas.
O novo Palácio da Justiça do arquitecto Jean Nouel, enorme caixa de ferro negro e paredes de vidro, foi o pontapé de saída em 2000. Alguns dos antigos edifícios industriais foram entretanto remodelados e ganharam novas funções, caso da Galeria das Máquinas da Ilha ou de um antigo bunker da Segunda Guerra Mundial, agora com um autocarro empoleirado e uma extensão extravagante a subir em triângulos ao céu. É o La Fabrique, onde existem estúdios de gravação para músicos e espaços de trabalho destinados a outros artistas. O Hangar à Bananes, onde antigamente era armazenada a produção bananeira que chegava das colónias ultramarinas francesas, é hoje casa de restaurantes, bares, discotecas e da galeria de arte contemporânea HAB. A estes, continuam a juntar-se novos edifícios, sempre com arquitectura moderna e de alguma forma ligados às artes.