Deixámos a história a meio para vê-lo chegar e quando nos apertamos numa varanda já ele caminha vagarosamente na nossa direcção. As patas monstruosas vão desenhando passos a centímetros do chão, as presas cor de marfim reluzem contra o corpo castanho, uma tromba traquina vai lançando jactos de água aos miúdos mais afoitos. A visão pouco teria de extraordinário, não tivesse este elefante o quádruplo do tamanho normal, pele de madeira e cabedal, músculos de aço, veias eléctricas e coração motorizado.
O gigante paquiderme mecânico foi o primeiro projecto das Machines de l’Île, em 2007, e é desde então uma das principais atracções turísticas da cidade. É o símbolo da nova Nantes, unindo passado e futuro da cidade. A inspiração nas viagens extraordinárias de Júlio Verne (o filho mais famoso de Nantes, nascido em 1828 num edifício da Cours Olivier de Clisson) é a mais evidente. Como não imaginar de imediato a cena de A Volta ao Mundo em 80 Dias em que Phileas Fogg e Passepartout resgatam Aouda, fugindo a trote num elefante pelas florestas indianas?
No entanto, o projecto artístico das Máquinas da Ilha — do qual ainda fazem parte o Carrossel dos Mundos Marinhos (e como não recordar, mais uma vez, as aventuras do capitão Nemo em 20 Mil Léguas Submarinas?) e a Galeria (povoada pelos vários animais robotizados que no futuro habitarão a Árvore das Garças, o terceiro e ambicioso projecto, ainda sem data) — une não só o mundo literário de Júlio Verne, como “o universo mecânico de Leonardo da Vinci e a história industrial de Nantes”. “Quisemos aproveitar a reurbanização da ilha de Nantes para trazer máquinas também elas urbanas”, começavam a contar os criadores do projecto num vídeo de apresentação quando os abandonámos para ver chegar o paquiderme hidráulico e invejar os seus 50 passageiros que nos olham de telemóveis em punho.
Localizadas na antiga zona dos estaleiros navais da cidade, as máquinas ali criadas não só se inspiram nesse passado como integram nos corpos bizarros alguns materiais ali encontrados. Mas o projecto é sobretudo símbolo da transformação de uma cidade, que procura olhar de forma inovadora para o passado ao mesmo tempo que se atira no futuro, com uma aposta no turismo e na arte urbana. Do vazio cinza e deprimente deixado pela transferência dos estaleiros para Saint-Nazaire e da desindustrialização do final do século, para uma cidade colorida e vibrante, com arte urbana em cada esquina. “Por ano, há cerca de seis mil pessoas a vir morar para Nantes”, ouviremos várias vezes.
Foi Jean-Marc Ayrault, então presidente da câmara de Nantes (depois primeiro-ministro francês e actualmente ministro dos Negócios Estrangeiros), que na década de 1990 viu na cultura o futuro da cidade, caminho para atrair turismo e revitalizar a economia local. O primeiro passo estava dado. Tornou-se vontade política, avultado investimento público. No entanto, seria em 2011 que a arte urbana viajava (e se implantava) definitivamente na cidade, com o nascimento do organismo municipal Le Voyage à Nantes.