A viagem prossegue, impregnada de melancolia, pela outrora chamada Piazzale Tripoli (actualmente Piazzale Marvelli), vigiada pela igreja da Ordem Salesiana (oficialmente a Chiesa di Santa Maria Ausiliatrice), cujos trabalhos iniciais foram presenciados por Federico Fellini num tempo em que era conhecida como Chiesa Nouva; para se perceber a relação de Fellini com a cidade é necessário ver a obra: passa-se, uma vez mais pela estação ferroviária, e evocam-se as palavras do cineasta — “Uma vez, vimos um comboio azul. Era um comboio-cama. Um cego subiu e surgiu um homem em pijama”. Há mais, poucos minutos depois, na Via Roma, no número 41, a casa que pertencia a Titta, uma grande amiga de Fellini dos tempos do liceu, tantas vezes frequentada pelo mestre que a caracterizou em Amarcord, com o seu portão e a escadaria que conduz à porta principal, a mesma que, no filme, o avô de Titta, a famosa advogada conhecida como Benzi, não consegue localizar, perdido nas brumas de um nevoeiro, naquele que é um retrato fiel de uma família da Romanha nessa época.
Atravesso, uma vez mais, a ponte Tiberio e sou recebido, com um rumor que vai crescendo à medida que caminho, no Borgo San Giuliano, uma antiga aldeia de pescadores onde se sente Fellini como em poucos outros lugares em Rimini, com os seus murais conferindo cor às fachadas das casas, as suas vielas, as suas pracetas, os seus becos cegos, remetendo para um tempo do qual não resta mais do que uma memória mas, ainda assim, abrigando um ambiente mágico, do qual tenho dificuldade em desligar-me, não fosse a atracção que o Corso d’Augusto exerce sobre mim, convidando-me a regressar à cidade, errando como erram locais e turistas, sem grande diferença em relação aos dias em que Fellini por aí caminhava. De repente, à direita, o olhar dirige-se para a Chiesa dei Servi, uma igreja escura e fria que tantas vezes assustou o realizador quando não era mais do que uma criança; mais à frente, também à direita, o cinema Fulgor, onde Fellini assistiu, na companhia do pai, ao seu primeiro filme, Macciste al’Inferno, descrito em Roma, mas também o lugar onde tentou seduzir Gradisca, como admite em Amarcord.
Chego à última morada de Fellini em Rimini, o cemitério, onde o mestre descansa ao lado de Giulietta Masina e o filho de ambos, Pier Federico, que viveu apenas alguns dias. O dia morre subitamente, a noite instala-se; umas luzes varrem o Adriático, prometendo eternizar a festa junto à praia.
Também Fellini ficará para a eternidade.
Guia prático
Como ir
Não existem ligações directas entre Lisboa (ou o Porto) e Rimini. Mesmo com uma escala numa cidade europeia, pode revelar-se uma tarefa complicada e dispendiosa chegar ao aeroporto Federico Fellini, situado a oito quilómetros a sul do centro da cidade. Ainda assim, não perde nada em verificar os sites de companhias aéreas como a Air Berlin ou a Luxair. Como alternativa, pode recorrer ao aeroporto Guglielmo Marconi, em Bolonha, que dista cerca de 120 quilómetros de Rimini. De Lisboa, a TAP é a única companhia aérea com ligações directas à capital e maior cidade da região de Emília-Romanha, mas, se uma escala não constituir problema, pode pesquisar junto da Alitalia, que também voa para Rimini, ou da Air France, entre outras. Do aeroporto, há sete ligações diárias de autocarro a Rimini (pode sair na via Annibale Fada ou na estação ferroviária). O ideal é adquirir o bilhete no site, no interior do aeroporto ou através de uma agência de viagens — neste caso paga 20 euros, se comprar no autocarro paga mais cinco (se não levar apenas bagagem de mão terá de desembolsar mais 10 euros ou 15 quando se apresentar sem bilhete junto do motorista por cada mala ou outro equipamento de maiores dimensões).