Fugas - Viagens

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Sérvia: Para o caso de o mundo acabar amanhã

No caminho há tractores; galinhas; casas de tijolo à vista; homens que passeiam de ovos na mão; uma dormida na aldeia de Knic (experiência a que chamam de turismo rural, mas é mais uma noite em família a ver o reality show sérvio, com direito a compota, café e aguardente); um lago espelhado; cigarros; bicicletas que carregam fardos de palha; leitões em assadores gigantes; diálogos esquizofrénicos em seis línguas (benzinska pumpa tornou-se expressão de sobrevivência e nem traduzimos para que cada um possa encontrar a sua).

Davolja Varos é o destino das cobras, lobos e águas ácidas que pintam a terra da cor da ferrugem. Há esculturas negras a gritar para a copa das árvores e uma capela ortodoxa em frente à qual se penduram alguns ramos. Neles devemos amarrar uma tira de tecido branco depois de bater na madeira, para que toda a nossa dor fique ali presa, para sempre. Não deixa de ser estranho estar na terra do diabo a pedir milagres aos santos, mas se assim é não se contesta.

O que é este lugar? Uma área natural protegida onde acontecem dois fenómenos raros no mundo: nascentes de água ácida e altamente mineralizada e 202 formações cónicas de terra (consequentes da erosão secular, que medem entre dois e 15 metros de altura) com pequenos “chapéus” vulcânicos no topo. No início do parque, atravessamos pontes de madeira, esculturas que dançam com as árvores, trilhos que acompanham o ritmo do vale. Vislumbramos bocas abertas – como a do diabo – que são antigas minas (no século XIII, esta era uma zona de exploração de cobre, ferro e ouro), uma nascente avermelhada saída de contos do fantástico. E depois vão aparecendo escadas e torres por onde subimos para ver melhor o ondulado de colinas e o manto de vegetação densa que as cobre. Se a terra do diabo é isto, poderemos bem com o inferno.

Budapeste
O corpo a vapor

Paul barra-nos a entrada nas termas de Gellért com um cardápio verbal de seis minutos. “Vêm desfrutar da nossa tradição de banhos? Temos duas piscinas interiores, salas com diversas temperaturas, sauna, uma piscina exterior – belíssima para um dia como o de hoje, não é verdade? –, serviço de massagens, bar no último piso, entre muitas outras ofertas, a preços variados. Se quiserem nadar e não vieram prevenidos com toucas, não se preocupem. Temos este modelo amarelo ou este preto, para os mais discretos. Há também chinelos de dedo por cinco euros, calções e fatos de banho de vários padrões, toalhas, estes roupões muito confortáveis… Tencionam mergulhar as cabeças ou não? Bom, se não pretendem fazê-lo, não há necessidade de usar touca. E se têm equipamento adequado basta dirigirem-se aos balneários, à vossa esquerda. O espaço fecha às 20 horas, mas à saída ainda estarei aqui para vos oferecer este magnífico CD – sim, porque eu também toco numa banda – gravado num dos melhores estúdios de Budapeste. Puro rock.”

A recepção ao palácio Gellért é uma cena de tragicomédia, podemos categorizar, mas não nos baseemos nela para prever a experiência da sociedade dos banhos. Na Hungria, as termas não são para velhos, doentes ou desintegrados. É uma pausa – longa – no dia, em que não há telemóveis, televisores, auscultadores nem outras tecnologias. Não se pode fumar ou comer e convém não falar demasiado alto, para não espantar os milagres do vapor. Em Gellért, no lado verde de Buda, começa-se por apreciar os painéis com anjos, as mulheres de tecido caído sobre o peito e cabelos louros, os ornamentos vegetais. Há uma piscina grande e muito azul ao centro. Pode ficar-se na balaustrada superior a admirar os corpos que ganham a forma de rãs, peixes e animais sem classificação, consoante a perícia.

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