Fugas - Viagens

  • Miguel Manso
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Em Salem o difícil é não acreditar em bruxas

Em Salem, o difícil parece ser não acreditar em bruxas. Haverá, portanto, cenário mais apropriado para a mais querida festividade norte-americana, o Halloween? Parece que não (ver caixa). É a “capital do Halloween”, contudo o espírito do Halloween contagia todo o ano e substitui o verdadeiro peso da história de Salem. É por esta que vimos e por ela partimos com uma sensação agridoce: se a história dos julgamentos de Salem está transformada em produto de consumo imediato, o passado, e presente, marítimo mantém uma aura de autenticidade e um charme incontornável. E, na verdade, há algo de justiça em tal, pois a costa atlântica sempre foi parte de Salem e do mar veio a sua riqueza, enquanto os acontecimentos de 1692 se passaram na então Salem Village (actual, Danvers) e não aqui, Salem Town da altura, onde decorreram os julgamentos e os enforcamentos dessa perseguição que começou com comportamentos histéricos de duas crianças e foi alimentada pelo espírito puritano, pela crença geral no sobrenatural e pelo contexto político na então colónia.

É domingo de manhã quando chegamos à estação de Salem vindos de Boston. Somos poucos os que saímos nesta paragem e na rua somos recebidos por um cartaz: “Great Stories Begin Here”. Mas olhamos em volta e nada parece cumprir a promessa das “grandes histórias”: sem posto de turismo que se aviste, optamos por seguir a rua larga que aqui desemboca para tentar desencantar as histórias de Salem. Caminhamos mais impressionados pela quantidade de bandeiras arco-íris do movimento LGBT exibidas nos edifícios do que propriamente por estes — estamos em pleno mês do orgulho LGBT e Salem orgulha-se de ser uma das cidades mais igualitárias do país. Aqui na Washington Street, edifícios mais ou menos comuns de tijolo vermelho com o rés-do-chão comercial (tudo fechado), destacam-se a Tabernacle Congregational Church, com o seu pórtico em colunatas no cimo de uma pequena escadaria (onde seis portas de madeira foram colocadas cada qual com a sua cor da bandeira LGBT) e o City Hall, fachada cinzenta e águia dourada a coroar (bandeira LGBT a flutuar juntamente com a star spangled banner); entretanto, vimos a indicação para o Witch Dundgeon Museum e optamos por não a seguir: o tempo é curto e o nome parece-nos mais de atracção de feira popular do que de museu.

Não precisamos de caminhar muito (nunca é preciso fazê-lo em Salem) para chegarmos a Essex Street — para um lado, pedonal, para o outro não. Haveremos de percorrê-la toda, mas por enquanto, ainda perdidos na geografia da cidade, não temos dúvidas em seguir pela parte revestida a pedra vermelha e granito, dividida por elegantes candeeiros de ferro forjado onde se fixam imagens de bustos de mulheres — não são bruxas e não são permanentes, são parte do The Lady of Salem Public Maritime Arts Festival, um festival de arte urbana que acontece no centro de Salem desde 2010 e celebra o seu passado marítimo.

Os bustos femininos que vemos são reinterpretações do que ornamentava o gurupés do clipper Nightingale, parte da frota mercante de Salem no século XVIII — era normal os gurupés terem esculturas ornamentais ou bustos como sinal de agradecimento e invocação de prosperidade. Continuam os edifícios de tijolo vermelho com os rés-do-chão cor de creme e inundados de comércio — por isso, esta secção da rua também é conhecida por mall. Cafés e restaurantes, umas poucas esplanadas, joalharias, sapatarias, pronto-a-vestir, galerias de arte, antiquários, livrarias (incluindo especializadas em BD), lojas de souvenirs, lojas esotéricas e a “bruxaria” em muitas fachadas: Wicked Good Books, Witch Tee’s, Hocus Pocus, Bewitched in Salem (respectivamente livraria, loja de t-shirts e sweat shirts, empresa de tours, loja de souvenirs cujo nome também pisca o olho à série Bewitched, Casei com uma feiticeira em português, que teve quatro episódios especiais filmados na cidade e oferece os Beewitched After Dark Walking Tours, “guiadas por uma nativa de Salem e bruxa moderna”); The Magic Parlor, The Goddess Treasure Chest, Hex Old World Witchery (material para wiccans e outros neo-pagãos).

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