No século XXI, a Torre da Oliva está longe de impressionar com a mesma imponência que conferia à paisagem menos urbanizada da São João da Madeira dos anos 1950, quando milhares de operários das indústrias chapeleira e metalúrgica acorriam diariamente às fábricas dessa zona da cidade, a pé, de bicicleta ou em pequenas motos, tendo sempre o edifício como referência no horizonte.
Hoje, após a sua readaptação para fins culturais, o imóvel parece mais pequeno em proporção com a envolvente e, a partir do exterior, é difícil acreditar que ainda lhe reste espaço vago quando já acomoda o Welcome Center do Turismo Industrial, uma mostra sobre a marca Oliva e várias galerias para exposições e eventos. Mas a realidade é essa: no edifício começa hoje a funcionar também o Museu do Calçado e, depois de uma visita a essa nova estrutura, a primeira impressão é de que a Oliva voltou a superar-se. “Que grande que isto é!”, repara-se. “Tanta coisa que aqui está!”.
A visita é conduzida por Suzana Menezes, que, após vários anos de liderança no Museu da Chapelaria, mesmo ali ao lado, aplicou essa experiência na criação do Museu do Calçado e acumula agora a direcção dos dois equipamentos. No mais recente, guia-nos através das salas, nichos e corredores em que predomina o branco, mas onde há também algo da yellow brick road do imaginário de Oz — e não apenas porque lá encontramos os sapatinhos rubi da Dorothy, que o encenador Filipe La Féria usou numa das suas produções.
Será porque a entrada se faz junto aos sapatos de cristal da Cinderela e mais tarde nos iludimos com os botins do Peter Pan? Ao longo da colecção há várias referências literárias ao objecto de culto do museu, mas a missão desse espaço é realista e concreta: dar a conhecer a história do calçado ao nível do uso e da produção, explorando também a faceta emotiva de sapatos verídicos doados por personalidades públicas e reflectindo ainda sobre o potencial plástico desse objecto quotidiano quando transformado em obra de arte.
Nessa homenagem à indústria do calçado — que é simultaneamente a mais reputada de São João da Madeira, uma das mais pujantes do país e também das mais respeitadas no universo internacional do sector — só há margem para bairrismos quando eles servem o propósito do museu e daí a escolha de Luís Onofre como designer em destaque na primeira das muitas exposições temporárias que acompanharão a oferta da casa.
O criador é natural do município vizinho de Oliveira de Azeméis, veja-se só a audácia!, mas São João da Madeira sabe reconhecer-lhe o estatuto de maior ícone nacional do calçado e, pé ante pé, literalmente, o novo museu revela agora como evoluíram os seus sapatos, a sua sensibilidade criativa e até o seu sentido empresarial. “A ideia é contarmos a história de vida do designer através dos modelos que ele foi concebendo em cada fase da sua carreira”, explica Suzana Menezes.
Luís Onofre estará habituado a calçar figuras como a rainha Letizia de Espanha, Naomi Watts e Michelle Obama, mas admite que ver todo o seu percurso pessoal e profissional exposto no museu tem um simbolismo particular: “Significa homenagear várias gerações da minha família e a identidade de uma cidade como São João da Madeira, cuja história foi sempre tão moldada pela indústria da produção de calçado.” Sapatos, croquis, ferramentas e matérias-primas cruzam-se assim com dados biográficos para compor “uma viagem essencial” ao trajecto do estilista, mas, perante a vitrina que exibe essa montagem, não é no passado que ele se detém. “Isto foi um desafio que me permitiu ganhar um renovado sentido de futuro para a minha marca, que quero continuar a ver crescer em Portugal e no mundo”, confessa.