Fugas - Viagens

  • Humberto Lopes
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Si Phan Don, um arquipélago no largo coração do Mekong

As van japonesas e sul-coreanas que saem de Pakse para Don Det podem fazer, a meio caminho e a pedido de passageiros transviados, em trânsito a contracorrente, um desvio de dois ou três quilómetros desde a estrada principal até ao lugarejo de Hatsay Khoun, na margem do Mekong. Depois, basta esperar arrimado a uma canoa ou à sombra de uma árvore até aparecer um barqueiro que nos leve até Don Khong, mais exactamente até ao povoado de Muang Khong, um aglomerado com pouco mais de uma vintena de casas, algumas suspensas sobre estacaria fincada rente à água, e um templo budista. É aí que está concentrada a oferta de alojamento da ilha, paredes-meias com um punhado de restaurantes debruçados sobre o rio.

A travessia, feita numa pequena barcaça a motor, dura menos de dez minutos. Sombat, o barqueiro desta circunstância, que será das poucas pessoas que no Laos ainda falam francês, é célere em propostas proveitosas para o viajante: ficam duas navegações combinadas para os dias que se seguem, às ilhas de Don Det e Don Khon (não confundir com Don Khong), para visitar as cascatas de Som Pha Mit, e a Don Daeng.

Ao primeiro dia de estância em Muang Khong, a “capital” da ilha, calha um far niente de averbar graças ao espírito cansado das vertigens da longa viagem desde Da Nang, à beira do agora distante Mar da China. Como na fala dos aborígenes do Canto Nómada, de Chatwin, é preciso parar um certo tempo para se esperar pela alma, ou coisa que se assemelhe e faça as suas vezes, que foi ficando para trás. A vista da enorme varanda do hotel é um bálsamo. Quase todas as pousadas da ilha têm este cenário impoluto a decorar a placidez de Muang Khong: o rio, amplíssimo como um lago, um espelho emoldurado por vegetação de onde sobressaem aqui e ali os pináculos ovalados e brancos das stupas budistas.

O rio é a vida

Um par de dias é pouco para o tanto que há para ser admirado. Mas as bicicletas alugadas nos pequenos hotéis ribeirinhos dão uma ajuda e as mil e uma voltas pelos caminhos de terra da ilha põem o viajante em intimidade com o mundo campesino de Don Khon: arrozais e arrozais, búfalos cinzentos a rebolar-se na lama, breves aldeias com casinhas de tábuas cobertas por telhados de zinco e assentes em estacaria, miudagem a chapinhar no Mekong em algazarras de fim de tarde, o povoado de Muang Saen e os seus mercados de rua, do outro lado da ilha, música tocada no khene, um instrumento tradicional de sopro muito popular no Laos, em melodias a escapar-se das casas de portas sempre abertas, templos budistas plantados à beira do rio, silenciosos e luzentes, a brilhar entre palmeiras e vegetação exuberante.

As navegações de barcaça alimentam outros retratos, que o viajante levará consigo quando deixar este arquipélago do fim do mundo da terra laociana: barcos e barquinhos para cima e para baixo, uns largos e outros com a forma de esguias canoas, ágeis a atalhar a corrente, uns com gente apenas e outros com mercadorias, sortida tarecada e motoretas, pescadores a lançar as redes, o casario em paliçada alinhado nas margens, um pintor a avivar as cores de um casco tão entretido que não ouve quem chama por ele. Isso tudo e muito mais, como o barqueiro Sombat a atracar numa ilha para recolher a filhota à saída da escola e passar-lhe o leme por uns curtos minutos, já no largo coração do Mekong.

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