Fugas - Viagens

  • Humberto Lopes
  • Humberto Lopes
  • Humberto Lopes
  • Humberto Lopes
  • Humberto Lopes

Si Phan Don, um arquipélago no largo coração do Mekong

Por Humberto Lopes

Agora que a monção chega ao fim, eis o tempo ideal para uma viagem pelo Sul do Laos, onde o Mekong se alonga até quase parecer um lago e a memória khmer vive no complexo religioso de Vat Phou, o equivalente de Angkor em terra laociana.

A monção foi-se há um par de semanas e restam umas chuvas dispersas. Por ora, as paisagens mais meridionais do Laos ainda conservam uma paleta de verdes cintilando sob uma campânula de luz claríssima. Mas daqui a alguns meses será como atravessar a savana africana — a estiagem virá transfigurar o cenário e o cinzento dos matagais há-de arder ao sol, só suspenso aqui e ali por um ou outro arrozal à beira do Mekong.

Desde Savannakhet, a porta de entrada para o Sul do Laos para quem vem da Tailândia, via Ubon Ratchathani, ou do Vietname, pela fronteira de Lao Bao, até chegar a Pakse, o caminho mostra o rosto de um país que se tem mantido arredado do boom de desenvolvimento dos seus vizinhos (à excepção do Camboja), os designados “tigres asiáticos”, nas últimas décadas, apesar da retórica grandiloquente — e com explícito e copioso vocabulário neoliberal — produzida em Vienciana pelo poder (ainda) comunista, que mantém um sistema monopartidário e uma centralização política e administrativa mas liberalizou uma parte da economia. Nos cartazes de propaganda estampados à beira do Mekong, na capital, há arranha-céus de papel, mas tais projecções quiméricas não chegaram a este Sul mais ou menos remoto.

Aqui abundam aldeias de casas rústicas assentes em estacas de madeira, “à prova” dos vendavais e inundações da monção, a maioria em madeira com coberturas de palha muito inclinadas para fazer face aos dilúvios sazonais da estação das chuvas. Outras, poucas, são de alvenaria e exibem-se pintadas de cores berrantes, porventura para reforçar urbi et orbi o estatuto possidente dos inquilinos, quase todas elas com frontões triangulares à maneira das fachadas dos templos.

Os meios de transporte afinam com a elementaridade reinante: apanha-se um autocarro caduco, mas lesto, em Savannakhet, a transbordar de quilometragem e passageiros e tralhas, e a meio da viagem através da savana um pneu cansa-se e estoura com a solenidade de um foguete tradicional, sem que entre os viajantes avulte qualquer sobressalto ou alguém pestaneje. Espera-se com oriental paciência ao sol enquanto outro pneu sai lá dos derradeiros assentos, rolando por cima das bagagens entrincheiradas no corredor do autocarro. Em cada paragem, para provimento dos passageiros, lá acorre o pitoresco das vendedoras de espetadas e outros petiscos fumegantes a passearem dentro da nave.

Em Savannakhet o Mekong já se apresenta com amplidão, mal se avistando a outra margem. O mesmo em Pakse, onde um afluente, o Nam Sedone, vem engrossar o caudal que, mais adiante, na região de Si Phan Don, atingirá o seu expoente máximo — durante a monção a largura pode ultrapassar os dez quilómetros. Aí, o Mekong, um dos maiores rios da Ásia, bem se assemelha a um lago, sobretudo se já passaram as enchentes torrenciais da monção e se descontarmos os braços por onde as águas rolam em rápidos e tombam em cascatas, perto da fronteira com o Camboja.

Pakse é o ponto de partida para a última etapa até Si Phan Don e é uma base com infraestruturas minimamente adequadas para se preparar expedições a outros lugares de interesse do Sul do Laos, como o planalto de Bolaven, região montanhosa de clima temperado povoada por cafezais e impressivas quedas de água e cada vez mais popular entre os ecoturistas, e o complexo religioso de Vat Phou, que concilia arquitectura khmer e hinduísmo.

--%>