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Era uma vez na Arménia

- Os meus pais convidam-no para jantar na nossa casa. São apenas 30 quilómetros e nós temos carro. 

Tatev Sinanyan recusava-se a aceitar os meus argumentos mas parecia resignada quando, ao fim de algum tempo, prometi voltar um dia, para a rever, a ela, à família, ao país que já me fascinava.

- Promete?

Khor Virap significa poço profundo e nele passou Gregorio, o Iluminador, patrono da igreja apostólica arménia e conhecido no país como Grigor Lusavorich, 14 anos da sua vida, período ao fim do qual conseguiu converter o rei Tirídates à religião cristã. Corria o ano de 301 d. C., que marcava o fim do paganismo e o início de uma nova era — ainda antes de Roma, a Arménia tornava-se na primeira nação a adoptar o cristianismo.

Tatev Sinanyan, acompanhada de uma amiga, continua sentada ao meu lado, num muro de pedra. Gosto de a ouvir, de apreender o seu orgulho no país, das histórias que me conta; e gosto daquele sorriso que parece esconder uma tristeza que, de tão grande, não cabe neste mundo, como se ela, sozinha, encarnasse o sentimento de um povo.

- Tenho dúvidas de que haja uma nação com uma fé tão profunda em Deus como a Arménia. O cristianismo, difundido por Tadeu e Bartolomeu, dois discípulos de Jesus, penetrou no nosso país entre os anos 60 e 68 d. C.; mas, uma vez que o paganismo era a religião oficial, espalhou-se quase em segredo ao longo de mais de dois séculos.

As nuvens não se desprendem do monte Ararat, para onde, como que atraídos por um magnetismo, se viram as nossas atenções com frequência. É com um prazer que se renova a cada instante, como o ar que respiramos, que escuto a jovem universitária.

- Antes de Khor Virap ser construído, o lugar onde Grigor Lusavorich esteve detido chamava-se Artashat (na verdade a capital do reino, fundada no século II a.C., cujas ruínas se podem ver a dois passos do mosteiro), um buraco ocupado por cobras e escorpiões mas que, segundo ele, estavam proibidos por Deus de se aproximar.

Por instantes, o sol afasta parte do véu da abóbada.

- O rei não permitia que alguém lhe desse água ou pão. Mesmo assim, o monge, com uma fé tão grande, acreditava na sua sobrevivência.

Tatev Sinanyan, eufórica, levanta o braço e aponta com o indicador.

- Olhe agora, dá para ver um bocadinho do Ararat.

Também ela deposita um olhar mais demorado na montanha que terá servido de cenário à Arca de Noé antes de a terra ser repovoada e de se iniciar uma nova era.

A arca poisou então nas montanhas de Ararat. Era o dia dezassete do sétimo mês do ano (Génesis, 8, 4).

Essa montanha que pertencia à Grande Arménia nos tempos do reinado de Tirídates III e nos dias de hoje é turca; essa montanha e esse lugar que, como nenhum outro, tanta nostalgia transporta para os corações do povo arménio (raras são as casas que não têm uma moldura com uma fotografia do Ararat nas suas paredes).

- É a montanha sagrada para todos os arménios. Quando a observo, o meu coração enche-se de tristeza e, por dentro, todo o meu ser se agita. Os seus picos, cobertos de neve, são para mim um símbolo de pureza e todo aquele gelo é o coração da montanha, o resultado do seu tormento, do seu sofrimento.

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