Fugas - Viagens

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Era uma vez na Arménia

- Eles podem ter mais dinheiro. Mas os arménios são mais fortes.

À nossa volta reina a serenidade e a panorâmica, sob um céu com escassas nuvens, convida a apreciar as tonalidades que vão do dourado ao vermelho, do verde ao amarelo.

Uma longa avenida, como um risco, atravessa a cidade de Ijevan. A manhã vai a meio. O motorista estaciona a viatura e pergunta-me:

- Qual é a marca que fumas?

Recusando-se a aceitar o dinheiro que lhe estendo, sai e demora-se uns breves minutos.

- Não havia. Comprei este. Estás no meu país, um país hospitaleiro — e oferece-me um refrigerante e os cigarros. 

A Arménia continua a exibir matizes outonais, a natureza encarrega-se de exacerbar a sua beleza até o asfalto desaguar em Dilijan.

- É uma cidade antiga.

Faz-se um silêncio.

- Claro que é uma cidade antiga; na Arménia não há cidades novas. 

A uma pausa sucede-se outra, quase tão breve como a anterior, numa das margens do lago Sevan.

- Podes tirar umas fotografias. Eu espero.

Os olhos deslizam por aquelas águas calmas, como um espelho imenso, numa quietude que exacerba desde já o meu desejo de voltar com mais tempo, como alguém que não se contenta com a superfície mas que está também decidido a mergulhar. Por agora, a falta de intimidade com os lugares é compensada, ainda que de forma ténue e limitada, por um conhecimento que será aprofundado sobre o carácter das gentes deste país com três milhões e meio de habitantes (a diáspora representa já mais de quatro milhões).

- Fica com estas moedas. Não precisas de mais de 100 dram. São apenas três estações até ao terminal de autocarros, onde podes cambiar dinheiro. Adeus.

Comovido, caminhei até à plataforma do metro.

Um poço fundo

As pessoas acomodam-se em cima do motor, ao lado, o motorista do pequeno autocarro, que geme e se queixa de uma vida longa e dura, fuma e recolhe o dinheiro de quem se vai apeando. Saio num cruzamento e sigo, a pé, pela estrada, ao longo de um vale, por entre terrenos cultivados e vinhedos; o vento cantava; ao fundo, banhado por uma luz cor de chumbo, recorta-se o mosteiro de Khor Virap.

Algumas centenas de visitantes andam pelo adro e, junto ao pórtico central da igreja, homens e mulheres, de rostos felizes e alinhados como uma guarda de honra, vivem numa inquietação que desaparece quase de imediato e se transforma em euforia — os noivos surgem, sorridentes, e alguém, saindo da multidão, lhes oferece duas pombas que o casal observa antes de lhes afagar a penugem e libertar nos céus com as suas nuvens baixas e cinzentas que por vezes deixam ver fragmentos dos cumes nevados do monte Ararat, erguendo-se, imponente, a mais de cinco mil metros.

A tarde avança.

Já a havia observado no interior do mosteiro, com os seus cabelos negros, a chama das velas dançando-lhe no rosto e realçando uma manifestação de fé que me comoveu e aprisionou o meu olhar.

- Importa-se de me tirar, por favor, uma fotografia, a mim e à minha família?

Dela emanava um sorriso bonito, uma expressão dócil. Eu já a fotografara mas ela não se apercebera do meu gesto furtivo. Tatev Sinanyan ausentou-se por instantes e regressou seguida de um grupo numeroso. Após as fotos, manteve um diálogo com familiares e amigos, a curta distância e de costas voltadas para mim.

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