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Era uma vez na Arménia

Já no exterior, toco algumas das árvores (já quase nuas) plantadas por políticos internacionais que reconheceram o genocídio e, seguindo ao longo de um muro gravado com os nomes das comunidades massacradas, chego ao memorial onde arde, desde 1967, a chama eterna, também conhecida como a chama da memória, no meio de um círculo protegido por 12 placas em basalto inclinadas e que representam outras tantas províncias da Arménia ocidental perdidas para a Turquia na sequência do acordo de paz entre Ataturk e Lenine após a I Guerra Mundial.

Não haverá, no mundo, outro país tão vítima da história como a Arménia.

Vaticano da Arménia

Ainda fora do centro da cidade, que vou percorrendo lentamente, encontro outro monumento de forte simbolismo para o povo: a Mayr Hayastan, a estátua da Mãe Arménia, com mais de 20 metros de altura e de olhos postos na fronteira turca, com uma maciça espada à sua frente, numa posição defensiva.

Um rosto bonito, já com algumas rugas, oferece-me um sorriso antes de franquear a porta da igreja e os cânticos, ressoando por todo o lado, são como um apelo para seguir os passos da senhora que, com um gesto delicado, cobre a cabeça com um lenço.

Na Surp Sargis, cheia de fiéis, a atmosfera é mística. É domingo, o dia ideal para, uma vez atravessada a ponte que liga as duas margens do rio Hrazdan, apanhar uma marshrutky no terminal com destino a Echmiadzin, a escassos 20 quilómetros de Ierevan. Capital da Arménia entre 180 e 340, Echmiadzin é o Vaticano da Igreja Apostólica Arménia e o lugar onde Grigor Lusavorich teve uma visão divina que inspirou a construção da primeira igreja mãe da Arménia. 

Clérigos com longas barbas e vestidos de negro caminham pelos trilhos por entre os jardins em volta da Mayr Tachar, a catedral que é rodeada por edifícios do século XIX. A igreja original foi levantada entre 301 e 303 e — por se encontar em ruínas — reconstruída entre 480 e 483, mas todo o complexo religioso foi alvo de trabalhos de restauro e alargado ao longo dos tempos. Um monumento em pedra recorda a visita do Papa João Paulo II em 2001 e, ao lado, projecta-se o seminário Gevorgian, construído no século XIX e encerrado em 1921 — e proibido de reabrir as suas portas sob o jugo soviético — para acolher refugiados do genocídio.

Três torres sineiras, ricamente ornamentadas, destacam-se na entrada da Mayr Tachar e, uma vez no interior, à hora a que se celebra a liturgia dominical, a atmosfera produz no visitante uma sensação de paz que tarda em dissipar-se. São os cheiros, os cânticos, o fumo, a luz das velas que bailam nos rostos, tudo prende o olhar e o meu fixa-se agora numa figura que me recordo de ver, há alguns anos, em anúncios de lingerie ou em desfiles de moda — é Adriana Sklenaríková, a ex-mulher do antigo internacional francês Karembeu, eslovaca e em tempos recordista das pernas mais longas do mundo.

Respirando agora o ar puro da manhã, tento manter conversa com um veterano da guerra com o lado esquerdo do casaco coberto de medalhas soviéticas e fico depois, por longos minutos, observando apenas as famílias que prestam a sua homenagem aos mártires do genocídio, benzendo-se e rezando em frente ao monumento que lhes presta homenagem.

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