Tinham 64 anos. Não lhes faltava experiência de viagens dentro do país, tinham acampado mais vezes do que seriam capazes de se lembrar, mas nunca tinham ido para lá de Madrid. E, agora, iam viajar um ano pela Europa, de autocaravana, com o filho, com quem não faziam férias havia mais de uma década?
Uma amiga aconselhou-o a pensar melhor. Estaria tão embrenhado no seu projecto que não conseguiria ver a beleza daquela proposta? E ele pôs-se a pensar. Cedeu: “Vocês têm de perceber por que querem fazer isto. Se é para me virem proteger, se é para estarem com o vosso filhinho, se é para conhecerem outros países, para desfrutarem o momento. Vocês já viram qual é o meu projecto e já perceberam qual é o meu plano, mas têm que ter um projecto vosso.”
Nos primeiros meses, diz, andaram os três “às cabeçadas”. Discutiam “por coisas muito estúpidas”: “Eu era um viajante calmo e os meus pais eram dois turistas rápidos, ou seja, eles entravam nas cidades, queriam ir ao posto de turismo, recolher o mapa, ir aos sítios e ir embora: ‘Está feito’. E eu pedia-lhes: ‘Vamos andar. Vamo-nos perder. Vamos perguntar. Vamos encontrar. Vamos conhecer. Vamos aprender. Isso, que para mim era viajar, para eles era perder tempo.”
Não é que quisesse fugir aos sítios mais emblemáticos. “Eventualmente, acabas por fazer o top 10 mas só pelo facto de teres perguntado a alguém qual o melhor sítio, o facto de teres estado à procura, de teres encontrado, já te faz pensar, descobrir o que gostas e o que não gostas”, repetia. “Nós estamos nisto para viver uma experiência totalmente nossa. Ninguém nos está a dizer: ‘Tens que ir para ali.’ Portanto, desfrutem!”
Está convencido de que acabou por dar a volta aos pais, por os tornar menos turistas e mais viajantes. “Eu acho que essa foi a minha vitória com eles.”
Também aprendeu com aquilo tudo. “Quando eu tinha 20 anos, o meu pai tinha 40. Eu jogava à bola com ele na praia. Com 64, já não era rápido. Ele baixava-se e eu ouvia os joelhos dele a estalar. Parecia que tinha legos nos joelhos. Mas foi esse redescobrir dos meus pais que tornou o primeiro ano da viagem espectacular. Percebi que eles não vão viver para sempre. Percebi que se não agarramos os momentos com as pessoas que mais amamos a vida é muito estúpida.”
Quando chegaram ao Cabo Norte, na Noruega, a família encontrou uma harmonia nova. “Quando chegámos ao topo, todos os desentendimentos desapareceram. Os meus pais perceberam que estávamos em contagem decrescente. Começamos a saborear o momento. Acho que, na globalidade, a segunda parte da viagem foi das mais bonitas que nós podíamos ter.”
Falava muito mais no pai do que na mãe. Não por acaso. Quando conheci o Luís, o pai dele enfrentava um grave problema de saúde. Fizera várias cirurgias. Estava a recuperar. “O meu pai diz que está à minha espera para fazermos outra vez a viagem, agora à nossa maneira, que é com tempo.”
Naquela altura, não pensava em tornar a Portugal tão cedo, nem apenas por um instante. “Só quero voltar a Portugal no fim da viagem”, afiançava. Era como se voltar antes fosse falhar o desafio a que se propusera. E havia quem não entendesse aquela opção, quem a encarasse como uma espécie de teimosia. “Até tenho um amigo que me disse no outro dia: ‘Eu não percebo qual é o teu problema, até parece que Portugal te fez algum mal.’ Acha que eu devia voltar a Portugal de vez em quando.”