Quando Luís Simões começou a pensar em desenhar pelo mundo fora, tantas vezes se pôs a olhar para o mapa. Assinalou lugares, atribuiu um tempo a cada um, “o resultado era sempre quatro anos e qualquer coisa”. Decidiu demorar-se cinco anos. Partiu em Março de 2012. Não seguiu a percurso à risca. Quem seguiria? Quatro anos, oito meses e 14 dias depois, aterrou em Lisboa.
Que não haja equívocos. A World Sketching Tour não terminou. Este é só um intervalo. O ilustrador, agora com 37 anos, pensa voltar a partir no final de Fevereiro. Não sozinho, porque não veio sozinho. Arranjou namorada em Bali, na Indonésia. E trouxe agenda: exposição, livro, tertúlia, oficina.
A rota original – confessa – nunca foi para levar muito a sério. “No fundo, foi uma forma de mostrar aos outros que não ia vagabundear”, diz. Pareceu-lhe a estratégia acertada para sossegar os pais, uma forma de lhes dizer: “Vou, mas regresso.” Ora, a data marcada para o regresso estava à porta.
Planeou viajar por 75 países. Tinha abertura para interrupções. Foi o que aconteceu em Hong Kong. Demorou-se 11 meses naquela região administrativa chinesa. E nunca mais nada foi como antes. “Comecei a viver mais a viagem pela viagem. Acho que o projecto ficou isso.”
Conheci-o em Hong Kong. Decorria Outubro de 2014. Luís registava havia semanas o chamado Umbrella Movement, um movimento de desobediência civil que reclamava o direito de eleger o chefe executivo do governo regional por sufrágio universal. Órgãos de comunicação social de diversas partes do mundo queriam entrevistá-lo e mostrar as suas ilustrações. Ele era aquilo a que nós, jornalistas, costumamos chamar uma história gira. Terminara uma relação longa, deixara um emprego seguro (motion designer na SIC) e fizera-se ao mundo. Seguia, de mochila às costas, ia desenhando, conhecendo outros urban sketchers, uma comunidade global composta por pessoas que gostam de desenhar os sítios onde vivem ou pelos quais vão passando, e parara ali.
Não era a primeira vez que a História se desenrolava à sua frente. Estava em Roma em Março de 2013 quando houve fumo branco e Jorge Mario Bergoglio se tornou Papa Francisco. Estava em Istambul em Junho de 2013 quando começaram os protestos contra o derrube de 600 árvores no Parque Taksim Gezi e o descontentamento com o governo de Recep Erdogan se propagou pelo país. Mas só ali, perante aqueles jovens que gritavam por democracia, sentira aquela urgência.
Passei duas semanas em Hong Kong. Durante esse tempo, trabalhámos numa reportagem ilustrada sobre os protestos. E fui percebendo o lado menos atraente, menos glamoroso, da vida de viajante de longuíssima duração. “Para viajar basta ter dinheiro. Para manter-se em viagem não. Adaptar-se às exigências de cada país não é para qualquer um”, notava. “O meu conforto emocional está completamente desregulado”, admitia.
Não fazia amigos em viagem? “Quando estou em viagem – agora estar em viagem é a minha forma de viver – não estou a construir relações”, reconhecia. “Falo com quem está ao mesmo tempo do que eu num hostal, numa praça ou numa praia. ‘Eh pá, o que é que andas aqui a fazer?’ Não posso ter a pretensão de que estou a criar uma amizade ou que vou ter tempo para amadurecer uma relação.”