Quando a curva se desfaz, os olhos, como que atraídos por um qualquer magnetismo, desviam-se da estrada e plantam-se na paisagem com a mesma atenção com que uma criança escuta uma história, seduzida pelos pequenos detalhes e desejando retardar o final.
Albarracín, Monumento Nacional desde 1961 e candidata a um lugar na lista de Património Mundial da UNESCO, é um conto de fadas.
O casario, com as suas tonalidades avermelhadas que se confundem com a cor da terra, ergue-se sobre as rochas e as muralhas, como um cavaleiro inebriado de ambição, trepam pela encosta, quase tocando o céu azul que realça a beleza estética da cidade.
Ao fundo, emitindo os seus murmúrios suaves para não despertar Albarracín da sua indolência, corre o rio Guadalaviar, cujas águas, não raras vezes apressadas, acabam por unir-se às do Alfambra, um matrimónio feliz que, a partir daqui, adquire o nome de Turia, todos eles contribuindo, com as suas correntes, para tornar mais agreste a orografia da província de Teruel, fortemente dominada por uma extensa rede fluvial que brota da Cordilheira Ibérica – aqui nascem, por exemplo, o Cabriel e o Tejo, a centenas e centenas de quilómetros de Lisboa.
Deixo para mais tarde uma errância pela sua nascente e por agora, enquanto a manhã ainda preguiça, gozo dos prazeres de uma caminhada por uma das margens do Guadalaviar, detendo-me por vezes nas suas delicadas pontes de madeira para absorver não apenas o ar puro que se respira como também a história que conduziu a uma lenda.
Doña Blanca, uma jovem princesa, foi expulsa de sua casa pela sua cunhada ciumenta, a rainha de Aragão. A família Azagra, à época a mais poderosa de Albarracín, acolheu-a quando percorria o trajecto que supostamente a levaria a Castela, proporcionando-lhe conforto durante o seu exílio. Um dia, quem sabe tão bonito como este que me recebe e talvez maravilhada pela imponência do cenário paisagístico, a princesa decidiu-se a dar um passeio - nunca mais uma alma lhe pôs a vista em cima, levando uma parte da população a acreditar que fora feita prisioneira e morrera, anos mais tarde, numa das torres que decoram a muralha que abraça a cidade. Nos dias de hoje, a construção é conhecida como Torre Doña Blanca e há quem acredite que o seu interior abriga o espírito da princesa, à excepção de uma noite, em Agosto, quando uma lua cheia e redonda sobe nos céus; nessa altura, ela abandona a torre e dá um mergulho nas águas do Guadalaviar que agora, banhadas pelos raios de sol, brilham à minha frente.
A cada momento, os olhos são atraídos pela simplicidade das casas e pela ostentação das igrejas e da fortaleza – e todas elas, vistas das profundezas, parecem inacessíveis, inalcançáveis do alto dos seus mais de mil metros. O mesmo sentimento terá ensombrado, há quase mil anos (em Julho de 1093), o cérebro de Rodrigo Díaz de Vivar, aliás El Cid Campeador (cujas façanhas heróicas inspiraram Cantar de Mio Cid, a mais antiga e a mais bem preservada canção de gesta castelhana, a poesia épica da Idade Média), o ilustre e destemido cavaleiro que, possuído pelo desejo de vingança do rei árabe Abd al-Malik, um seu antigo aliado que tentou traí-lo, juntando-se a Pedro I de Aragão para que o ajudasse a conquistar Valência, saiu gravemente ferido de uma batalha em que, como em tantas outras ocasiões ao longo da história, Albarracín manteve a sua independência.