Fugas - Viagens

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O festival dos homens nus

 

Amálgama de corpos

Agora segue-se um silêncio e, momentaneamente, tudo mergulha na escuridão. Sinto o meu coração a bater como se fosse saltar.

Isto promete.

Um grito ecoa nos céus nocturnos.

- Wasshoi, wasshoi, é o que eles estão a gritar.

Quase não consigo ouvir Aya Inoue. Mas sei, por experiência, que este é um dos cânticos mais escutados em festivais do país, com mais do que um significado mas relevando sempre a paz e a união. Takayuki Tunashima, um amigo que a japonesa me apresentara no dia anterior, está entre os participantes que se precipitam, num movimento frenético, para o interior do recinto principal do templo. Mais tarde, quando a noite quer dar lugar à madrugada, Takayuki Tunashima, já recomposto, parece feliz por partilhar comigo a experiência vivida.

- Depois do festival, sinto-me sempre pleno de satisfação. Esta não foi a primeira vez em que participei mas, mesmo assim, todo o meu corpo treme de excitação no momento em que, depois de vestir o mawashi, me aproximo do palco da cerimónia.

Do ponto onde me encontro, o meu olhar vagueia de um lado para o outro, como confuso, perdido naquele mar de corpos nus – nus porque apenas os vejo da cintura para cima mas sei, porque Aya Inoue me traçou um retrato fiel do que me esperava, que vestem uma tanga branca, o mawashi, como brancas (tabi) são as meias que calçam. Os homens, impacientes e enfurecidos, lançam-se para a frente, é como uma amálgama de corpos lutando ferozmente pela conquista do melhor lugar para apanharem os shingi

Takayuki Tunashima também haveria de recordar esse momento, mais tarde, sentado à mesa a beber um copo de vinho português.

- Nessa altura, não consigo respirar porque todo o meu peito está comprimido. É por isso que, apesar do muito frio que se faz sentir, é atirada água sobre os participantes. À medida que se aproxima o momento do lançamento dos shingi, o lugar enche-se de uma atmosfera estranha.

Os shingi são um pauzinhos sagrados da sorte, com não mais do que quatro centímetros de diâmetro e 20 de comprimento, lançados por um padre de uma janela situada uns quatro ou cinco metros acima das cabeças de 9000 homens. Quem tiver a sorte de se apoderar de um deles e de o colocar na vertical numa caixa de madeira designada masu, a qual está cheia de arroz, pode considerar-se um homem de sorte e abençoado com um ano de felicidade.

Tenho dificuldade em acreditar no que os meus olhos observam, um shingi, mesmo na mão de um dos participantes, salta no ar, é disputado, há um furor homérico, o cenário assemelha-se a um jogo de râguebi – é complicado estabelecer uma fronteira entre o fervor e a ferocidade.

E agora me lembro que ainda não escrevi quantos shingi são atirados.

Além destes, são arremessados molhos de tiras de salgueiro, cerca de uma centena, objectos que também são vistos como um sinal de sorte mas igualmente difíceis de apanhar pela multidão que não se contém.

 

Dos mais excêntricos

 

O Saidaiji Eyo é considerado um dos três festivais mais excêntricos do país, com uma história que ultrapassa os cinco séculos (cumpre este ano a sua 508.ª edição) e uma popularidade que tem crescido de tal forma nos últimos tempos que a organização já disponibiliza inclusive um formulário que os turistas podem preencher caso pretendam participar no evento. Tudo começou com a tradição de os devotos receberem, todos os anos, e também lançados pela mão de um padre, uns papéis considerados talismãs, denominados Go-o. Uma vez que quem os recebia era bafejado pela sorte, o número de pedidos foi aumentando de forma assustadora – mas o facto de facilmente se rasgarem fez com que fossem substituídos pelos pauzinhos de madeira que nos dias de hoje seduzem milhares de homens sem receio de enfrentar por vezes temperaturas negativas.

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