Regresso à ponte de ferro e a sua cor branca forma um bonito contraste com o corvo gigante. As águas do Asahi tornam-se mais escuras. O sol derrama a sua última gota de ouro.
Castelo no céu
O meu destino inicial era Fukiya mas quando cheguei à estação ferroviária de Bitchu-Takahashi, ao final da manhã, já o autocarro (o serviço é errático) partira para a antiga cidade mineira situada a mais de 500 metros de altitude, ainda na prefeitura de Okayama. Não traçar um plano tem, especialmente no Japão, as suas consequências, mas nos meus planos estava, também, o castelo de Bitchu-Matsuyama (assim designado para se diferenciar do castelo Matsuyama, em Shikoku). A pé, fui diminuindo as distâncias, ora observando os campos de arroz, ora as casas com os seus jardins organizados, venci uma subida íngreme, passei um túnel e, no final, mal saí de uma das bocas deste, um carro, obedecendo ao meu sinal, deteve-se. Ao volante, um homem sorridente, com um vocabulário de inglês curto mas com modos tão delicados, tão educado, que talvez ele sentisse mais falta das palavras do que eu. Uns metros mais à frente, voltou a encostar a viatura à berma da estrada, mesmo ao lado de uma senhora.
- É a minha mulher.
Dela, quando se virava para trás, apenas me chegava o sorriso. Para mim bastava. Dos seus olhos emanava um brilho que me fazia sentir bem. Estacionada a viatura no parque, ele dirigiu-se, sem que eu me apercebesse, à bilheteira e pouco depois estendeu-me um bilhete, pago por ele, para o autocarro que estava prestes a chegar. Não sabia como reagir.
- É a primeira vez que visito o castelo. Vim às compras e, como agora estou reformado, tenho mais tempo para passear.
Juntos saímos do autocarro e juntos fomos subindo o trilho, lentamente, eu com mais dificuldade do que eles, tanto um como o outro já com mais de 70 anos. À chegada, quase meia hora depois, adiantei-me e, desta vez, comprei eu as entradas para os três. O cenário que rodeia a fortaleza deixa qualquer um enlevado de admiração mas o interior, embora bem preservado, pouco tem para mostrar, em contraste com uma história rica e de séculos e um exterior onde os olhos passam mais tempo. O castelo é, na verdade, entre os que sobreviveram, o mais antigo do país e é também a única construção (entre uma dúzia que foi levantada em zonas montanhosas) que se manteve intacta no período pós-feudal. Estando situado a mais de 400 metros acima do nível das águas do mar, o castelo, erguido em 1240, goza igualmente do estatuto de mais alto do Japão – e por se encontrar com frequência rodeado de nuvens, como se nelas flutuasse, mais parecendo uma ilha, é conhecido por castelo no céu. Estranhamente, nem a fortificação oferece boas panorâmicas sobre os vales próximos, cidades e aldeias, nem tão-pouco se deixa ver por entre a vegetação e árvores seculares.
É tempo de iniciar a descida.
- Não quer que o deixe em Fukiya? Nós vivemos em Kurashiki, conhece? É muito bonito.
Não cheguei a saber o nome deles. Mas tenho-os escritos em caracteres japoneses. Os nomes são como as palavras – por vezes não são necessários.