Aya Inoue permanecera em silêncio o tempo todo, à mesa, escutando com atenção a descrição tão detalhada de Takayuki Tunashima. Mas, já perto do final, a jovem, como se ainda estivesse a viver aquele momento tão próximo, não se conteve.
- Não conheço um festival mais excitante, apesar de se realizar em pleno Inverno.
Takayuki Tunashima sorriu, bebeu um golo e retomou a palavra.
- Naqueles instantes, sinto uma exaltação como nunca senti e, em simultâneo, a estranha sensação de que o frio e a dor começam a ser aliviadas. Só mesmo quem participa no festival é que pode ter este tipo de sensações.
É a hora da despedida, cada um segue o seu destino, cada um com as suas memórias e as imagens a pesarem no cérebro. Mas a jovem tem algo mais a dizer-me.
- Já me esquecia, se tiveres tempo visita Kurashiki, é um lugar de uma beleza singular, fica próximo de Okayama e ocupa um lugar especial no coração dos japoneses.
Tempo não me falta.
Há mais Okayama
O dia desperta cheio de sol, as conversas decorrem em voz baixa nas ruas calmas de Okayama, onde nunca se sente – pelo menos quem a visita – o peso das multidões. Gosto de passear ao longo do pequeno canal que atravessa a cidade e, depois, mal a manhã avança, de apanhar um eléctrico que me deixa próximo de uma área ainda mais serena. Atravesso a ponte de ferro que cruza as margens do rio Asahi e, lembrando-me de Aya Inoue, não tardo a encontrar uma das entradas para Korakuen, considerado, juntamente com o Kenrokuen, em Kanazawa, e o Kairakuen, em Mito, um dos três mais belos jardins paisagísticos do Japão.
Mal os olhos se plantam naquele cenário verde sob um céu azul, torna-se menos difícil entender o estatuto de excelência de que goza e o facto de, todos os anos, atrair milhares e milhares de japoneses. Os trilhos, sempre limpos, serpenteiam por entre espaços relvados, por entre flores e plantas, aqui e acolá descobre-se uma ponte elegante, pequenas casas de chá perfeitamente integradas na paisagem e debruçando-se sobre as águas de um lago tão limpo que parece que acabou de ser varrido; mais para lá, uma colina suave de onde se obtém a melhor panorâmica sobre o Korakuen, como uma varanda sobre campos de arroz, de chá, cerejeiras e bordos, essas árvores que em determinadas alturas do ano mais parecem pintadas pelo pincel de um pintor com grande sensibilidade.
Na segunda metade do século XVII, quando os jardins foram mandados construir pelos senhores feudais locais, como área de recreio para a família e para receberem convidados importantes, o acesso ao público, salvo em raras ocasiões, estava vedado. Só em 1884 (poucos anos após o fim do período feudal), quando Korakuen se tornou propriedade da prefeitura de Okayama, é que o jardim passou a ser um espaço de todos. Alvo de danos consideráveis na sequência de uma cheia em 1934 e bombardeado durante ataques aéreos na II Guerra Mundial, Korakuen foi sempre restaurado de acordo com a sua forma original graças à exactidão dos registos conservados pelos arquitectos.
Contorno o jardim pelo exterior, caminho ao longo de um quilómetro por uma zona ribeirinha entre as pontes Horaibashi e Aioibashi, onde em finais de Março e início de Abril mais de duas centenas de cerejeiras se enchem de flores – fenómeno que no Japão é conhecido por sakura - passo por uma mulher que passeia pela trela um coelhinho branco e, depois de cruzar de novo o Asahi, fico sentado num banco a admirar o castelo onde o sol vai incidindo. Mandado construir (as obras prolongaram-se por oito anos e foram concluídas em 1597) por Ukita Hideie, um dos cinco regentes de Toyotomi Hideyoshi, veste-se quase todo de preto, o que lhe valeu a popular designação de corvo.