Fugas - Viagens

  • Norbert Delauney
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  • Sousa Ribeiro
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É Carnaval, o bacalhau não leva a mal

Mesmo no final da Promenade du Plat-Gousset, uma escadaria em tempos privada conduz a um espaço verde, sobre uma falésia, que mais parece suspenso entre o céu e a água. O jardim, actualmente aberto ao público, abriga uma mansão conhecida como les Rhumbs (uma referência aos 32 pontos da rosa-dos-ventos), com uma fachada cor-de-rosa e rodeada de trilhos cinzentos, as cores fétiche de um costureiro francês que se tornou célebre. Nela, a partir de 1906, passava férias com a família mas, com a morte da mãe e a crise da bolsa, em 1929, que levou o pai à falência, a casa foi posta à venda dois anos depois. Comprada pela edilidade de Granville em 1936, tornou-se, há precisamente 20 anos, no primeiro museu francês dedicado a um costureiro.

Christian Dior nasceu em Granville.

Com outras linhas se cose a história da cidade, tão intimamente ligada ao mar. A sua situação geográfica, abrigada pela ponta de Carolles, fez de Granville um ponto estratégico de ataque, desejada, entre outros, pelos ingleses, com planos para invadir o Monte Saint-Michel durante a Guerra dos Cem Anos. Após o conflito, e uma vez devolvida aos seus habitantes, Granville, contando com o apoio do rei de França, Carlos VII, registou um crescimento económico considerável e mais ainda quando, sempre com a complacência da soberania, ganhou o direito a atacar e a saquear os bens dos navios inimigos, tornando-se, à época, na grande rival de Saint-Malo. Projectando-se no porto, uma estátua atrai os olhares de quantos se passeiam por esta zona — imortaliza Georges-René Pléville Le Pelley, um dos célebres 15 corsários (recebia a alcunha do corsário da perna de pau) que contribuíram para que Granville fosse apelidada, nesses tempos, como cidade corsária. 

Sempre o mar.

Com a Revolução Industrial, Granville vira-se mais para Paris e torna-se na primeira estação balnear do Departamento da Mancha, um lugar com vocação para a cura de doenças, mas também mundano, palco de todas as festas. Encanta-me, entre outros aspectos nesta cidade charmosa, com o seu estilo Belle-Époque, as suas mansões, a origem desse estatuto: já em 1834 se sentia que era necessário definir uma política de regulamentação de banhos para garantir a tranquilidade pública; foi criada a polícia de banhos de mar e, três anos mais tarde, a primeira lei, delimitando zonas em função do sexo e das roupas. De um lado, as mulheres e as crianças; do outro, os homens, ainda que separados por duas categorias: os vestidos e os não-vestidos, se bem que estes últimos estavam longe de praticar o nudismo — pelo contrário, usavam a roupa do dia-a-dia ou simplesmente a sua roupa interior.

Com a imponente Notre-Dame (onde foi baptizado Christian Dior) nas minhas costas, mais algumas das elegantes mansões que em tempos pertenceram a ricos mercadores, deixo o olhar vaguear pelo porto. Granville, com a sua marina, abre-se ao turismo (quase 200 mil visitantes por ano partem daqui em busca do ainda mais tranquilo arquipélago de Chausey ou para as ilhas anglo-normandas) e cultiva o seu potencial em termos de actividades náuticas, sejam elas tradicionais ou contemporâneas. Ao largo, avisto o Le Marité, o último navio francês a rumar à Terra Nova (hoje um barco turístico) e o último legado desse tempo em que pescadores celebravam o Carnaval sem saberem se existia um amanhã.  

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