Fugas - Viagens

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A bela desconhecida quer tornar-se na bela reconhecida

Por Sousa Ribeiro

Palência cativa por ser discreta e serena, por se revelar a cada momento e por servir, caso não fique satisfeito, como ponto de partida para uma visita a um património ímpar em toda a Europa, uma concentração de monumentos que é caso único no continente. É uma porta que se abre para o Românico.

- Valência?

Faça a experiência e verá como, desde que não se trate de alguém com nacionalidade espanhola, a simples menção do nome Palência conduz à pergunta:

- Valência?

Palência, capital da província homónima, município da Comunidade de Castela e Leão, localizada a menos de hora e meia de comboio de Madrid, é uma cidade com pouco mais de 80 mil almas que parecem viver as suas vidas de forma serena — talvez discreta seja a palavra mais correcta, ainda que se note, à medida que a vamos conhecendo, uma enorme capacidade para exibir os seus atractivos sem qualquer pudor.

Pelo menos é o que me sugere quando, mal a tarde começa a declinar, erro pelas ruas, observando as suas gentes sentadas nas esplanadas ou simplesmente caminhando enquanto escutam os lamentos do Carrión. Ou, mais para lá, uma vez cruzado o rio, ao longo do canal de Castela, verdadeira obra-prima da engenharia hidráulica do século XVIII, designado como Bem de Interesse Cultural desde Junho de 1991 e ainda hoje, tantos anos depois da sua construção, tão útil para a economia e para a população das províncias de Palência, Valladolid e Burgos, seja na rega ou no abastecimento de água — são mais de 200 mil aqueles que beneficiam do seu uso. 

O céu nocturno já quase nada mais me deixa ver, apenas a catedral, a esta hora com a sua fachada banhada por uma luz tímida que a envolve numa aura fantasmagórica e realçada pelo silêncio sepulcral que se sente na praça onde apenas se escuta, aqui e acolá, os passos de alguém que regressa a casa e não pousa um único olhar numa estrutura magnificente.

Fico por ali, uns minutos mais, apreciando e desejando que um novo dia desponte, para comprovar se Palência é assim tão bonita como parece. Mas, teimosamente, também não permito que a noite, ainda espreguiçando-se, me encontre na penumbra de um quarto antes de me sentar na Plaza Mayor com as suas árvores podadas, como cotos, com os seus candeeiros que vão derramando uma luz amarelada pelo empedrado tantas vezes calcorreado, povoada de pessoas que apreciam a conversa, um copo, umas tapas. A Plaza Mayor, espaço cívico, comercial e de ócio, abraça as características da típica praça castelhana e a sua construção foi impulsionada por Carlos I durante uma das suas três visitas, entre 1522 e 1534, a Palência, não sem antes passar por todo um processo conturbado até exibir a graciosidade que a caracteriza nos dias de hoje.

Se passar por aqui em finais de Dezembro, como eu um dia passei, deparar-se-á com uma surpresa em tamanho gigante, envolvendo a Plaza Mayor: um bolo-rei, num total de 6500 fatias, para ser partilhado e que, para ser confeccionado, requer 300 quilos de farinha, 1400 ovos, 48 quilos de manteiga, 75 quilos de açúcar, quase cinco quilos de sal, uns 60 litros de leite, 18 quilos de levedura, laranja e água de flor de laranjeira.   

- Valência?

Não. Palência.

Rua com história

Os raios de sol, rompendo por entre as cortinas, depertam-me para a manhã que avança. A Calle Mayor, também conhecida por Calle Mayor Principal (em tempos remotos a rua do pão e da água) para ser distinguida da Calle Mayor Antigua (onde não pode deixar de visitar o Palácio Episcopal, que acolhe igualmente o admirável Museo Diocesano de Palência), está bem próxima, mesmo no coração da cidade, e funciona como a coluna cervical, a artéria por onde todos se movem, a caminho do trabalho, de um café ou, como é o meu caso, numa simples errância sem destino. É a zona comercial em toda a sua excelência, um lugar para ver e ser visto, com forte vocação para os dias de hoje mas sem ignorar o espírito, a verdadeira essência de Palência nos séculos XIX e XX, não tanto na atitude dos transeuntes mas na herança que se manifesta quando se apreciam alguns dos seus melhores exemplos arquitectónicos, mandados erguer pela burguesia desses tempos de antanho.

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