Entre visitas e revisitas, da surpresa à confirmação, a experiência de provas de vinhos raros, quase sempre caros ou caríssimos, vale apenas como um testemunho. O testemunho de que os verdadeiros pergaminhos da enofilia exigem que se olhe muito para lá do presente. Por muito bons que sejam os grandes vinhos de colheitas recentes, dificilmente se podem igualar a congéneres de outras eras que sofreram o aprimoramento do tempo. Agora que os vinhos velhos parecem começar a voltar à moda, é útil verificar que este princípio se mantém activo. Os relatos que se seguem têm por isso o propósito de mostrar que os grandes tesouros do vinho estão nas caves particulares ou nos lugares de guarda das garrafeiras ou restaurantes. Muitos são tesouros inacessíveis. Mas outros requerem apenas um pouco mais de procura. Pode ser que as memórias do ano que se seguem estimulem essa procura.
As escolhas de... Manuel Carvalho
Messias Colheita de 1963
Um lote de vinho da vindima de 1963 permaneceu intocado durante meio século no mesmo tonel. Nunca foi sujeito a "refrescamento" (adição de pequenos lotes de vinhos novos para conferir juventude e frescura) e chegou até nós acusando apenas o efeito da sua relação com o oxigénio, a madeira e o tempo. O resultado é extraordinário. Este Messias é um vinho misterioso, pleno de sensações difíceis de catalogar mas que resultam numa harmonia de aromas e de impressões na boca de grande intensidade. Gordo, com uma acidez notável, nariz com sugestões de chá preto, casca de laranja cristalizada e alperce maduro, é um daqueles Porto que deixa um rasto de prazer interminável no palato e que é capaz de encher uma sala com os seus aromas. É um Colheita prodigioso, no mercado a cerca de 205 euros a garrafa.
Noval Nacional Vintage 1963
Provado em dois momentos distintos (uma vez numa prova vertical no Noval, outra numa prova horizontal de vintage de 1963) o Nacional por duas vezes impôs a sua estirpe na competição directa com os seus primos desta vindima extraordinária. Na apreciação visual, parece ter menos 20 ou 30 anos do que de facto tem. É um vintage ainda carregado de cor, num corpo denso e aparentemente insensível à passagem dos anos. Na boca aparece com um ataque que denuncia uma estrutura de taninos capaz de resistir a mais um século de vida e consolida-se com um leque de sensações explosivo, denso e longo. Se há vintages perfeitos, este estará muito perto desse estatuto. Por isso é um objecto de culto dos colecionadores e dos amantes do vinho do Porto. Por isso é caro. A Garrafeira Tio Pepe, no Porto, tem este vintage à venda por 4500 euros.
Graham´s Stone Terraces Vintage 2011
É muito difícil distinguir entre a excelência. Nos magníficos vintage de 2011 há consensos sobre a grandeza de marcas clássicas como a Fonseca, a Noval, a Taylor´s ou a Dow’s. Há certezas de que outras marcas menos mediáticas são de qualidade extrema, como a Offley, a Warre, a Ramos-Pinto ou o Quinta do Grifo, da Rozés. Mas se nas várias provas realizadas este ano um vinho se destacou pela sua radical subtileza de aromas foi o Stone Terraces, produzido a partir de vinhas velhas da Quinta dos Malvedos, junto à foz do Tua. É um vintage que esconde sabores e sensações aromáticas quase enternecedoras. Sensações que emergem de uma estrutura tânica poderosa e promovem uma frescura de boca admirável. Como a maioria dos Porto Vintage deste ano, este Graham´s afirma-se pela elegância e pelo requinte. Um vintage muito especial que vai valer a pena seguir durante muitos e bons anos. Infelizmente, por se tratar de um vinho de terroir, a sua produção em número de garrafas é escassa e atirou o seu preço para a casa dos 180 euros, mais de o dobro dos clássicos de 2011. As identidades raras têm o seu preço e os consumidores têm de estar a par destas particularidades.