Em cima da mesa estavam dois pratos com fatias de peixe cru: num, robalo, no outro, tainha. Um peixe nobre, o outro pouco valorizado, um peixe caro, o outro muito mais barato. Mas, e no sabor, serão assim tão diferentes?
A ideia era exactamente essa: juntar peixes considerados menos nobres com alguns dos melhores champanhes. Usar boga, tainha ou abrótea na alta cozinha. E com isso discutir a pesca sustentável.
O encontro, baptizado Mar Adentro e com organização da Amuse Bouche, foi marcado para o restaurante Vista do Bela Vista Hotel & Spa, na Praia da Rocha, Portimão, onde o chef João Oliveira recebeu Henrique Sá Pessoa (Alma, Lisboa), Leonardo Pereira (que saiu do Areias do Seixo e prepara um projecto próprio), Pedro Pena Bastos (Esporão, Alentejo), Matteo Ferrantino (Vila Joya, Algarve) e Maria João Malheiro (Confeitaria do Alvor).
Pedro Bastos, da Nutrifresco, fornecedor dos peixes, estava curioso para perceber a reacção das pessoas à prova comparada do sashimi de robalo e tainha. E o facto é que ninguém achou que houvesse muita diferença entre os dois peixes, embora haja mais firmeza na carne do robalo. Apesar disso, alguns dos presentes disseram preferir a tainha.
Quando o desafiaram a trazer para o Mar Adentro peixes menos valorizados, Pedro Bastos lembrou-se imediatamente da tainha. “Se o nosso consumo é focado nos peixes mais valorizados vamos chegar a um ponto de ruptura, a que, aliás, já chegámos com o robalo selvagem”, diz. Daí que seja interessante este exercício de procurar outros peixes que possam ser alternativas. Pedro Bastos acredita que a tainha pode ter esse papel, mas, afirma, é fundamental aprendemos a distinguir a de qualidade.
“A que é mais valorizada é a que aparece nas zonas mais distantes da costa, com águas mais oxigenadas e uma alimentação mais limpa”, explica. “O problema é que a tainha tem tendência para entrar pelos estuários e portos, zonas de água mais suja” e isso leva a que seja associada à ideia de um peixe poluído. Garantir que é a tainha de mar aberto que chega às lotas é, diz, um trabalho dos fornecedores, que devem preocupar-se não só em identificar as espécies (há quatro em Portugal, sendo uma delas, a chamada liça arrobalada ou negrão, considerada superior ao robalo) e o local de captura.
Para além da experiência em sashimi à noite, a tainha surgira já nesse mesmo dia num almoço, também na zona de Portimão, no qual Manuel Maldonado, do projecto Ostraria (e que se prepara para uma estreia, em 2016, num restaurante no Chiado, onde não usará electricidade nem gás, mas apenas a grelha e o fogo), preparou tainha fumada e tainha grelhada, que, acompanhada por uma salada de beldroegas, estava à altura de qualquer robalo.
Maldonado mostrou também outra potencialidade de um produto da tainha: as ovas, que usou numa maionese. O responsável da Nutrifresco lembrou, a propósito, que os italianos transformaram as ovas da tainha num produto hoje muito valorizado: a butarga.
“A tainha é um peixe gordo e muito saboroso”, sublinha Pedro Bastos, lembrando a diferença de preço: um robalo selvagem oscila entre os 12 euros e os 35 euros, dependendo da época do ano e do calibre, enquanto a tainha pode custar entre 2,5 euros e 7 euros.