Fugas - restaurantes e bares

  • Paulo Pimenta
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Cultura gourmet a preços sensatos

Por José Augusto Moreira ,

Pouco importa se é bar ou restaurante. No Cheers há um apurado sentido gastronómico que cruza de forma exemplar a tradição e a modernidade culinária, no ambiente bairrista de que se alimenta a Capital Europeia da Cultura.

Em ano de Capital Europeia da Cultura, Guimarães está no centro das atenções e se há aspecto em que a cidade se tem distinguido é na forma como tem sabido integrar o património e as tradições seculares com as tendências e conceitos dos tempos actuais. Uma espécie de atitude colectiva que não é de agora, assente num bairrismo aqui e ali a roçar o exagero, mas que se tem revelado criativa e enriquecedora.

E se esta conversa pode até parecer estranha quando o propósito é falar de restaurantes, ela vem mesmo a talhe de foice quando se trata do Cheers, um espaço onde tudo isso parece combinar de forma coerente e consequente. A começar pelo conceito. A essência é a gastronomia, mas tem o aspecto de bar; as propostas são bem sérias, mas o ambiente é descontraído e convivial. Bar ou restaurante? Pouco importa, já que o que se procura é o prazer gastronómico e essa é a essência da casa.

A decoração começa por surpreender pelo amplo recurso às caixas de madeira das mais diversas marcas de vinhos. É com elas que se construiu o hall de entrada, bem como algum dos elementos do mobiliário. A sala, com fachada envidraçada para a rua, é de dimensões reduzidas, dispondo no máximo de uma dezena de mesas onde caberão pouco mais de 30 pessoas.

Predomina o branco dos lacados do mobiliário e balcão, salpicados por alguns elementos a verde para quebrar a monotonia. A ligação com a ruralidade e a tradição e dada pela imponente pia de pedra que desempenha a função de lavatório, também ela complementada por elementos de design de tendência urbana e contemporânea.

Toalhetes em material sintético acentuam o ambiente de informalidade, em contraponto com o rigor funcional no que toca aos copos e restante baixela. No que ao prazer gastronómico diz respeito, não há concessões.

O desafio é para que se "aprecie o melhor da cozinha tradicional portuguesa, através de deliciosos petiscos e pequenos prazeres de sabores e texturas", tal com consta da carta, também ela apresentada sobre tabuinhas das caixas de vinho.


Açorda e bom senso

A lista, claramente vocacionada para os pequenos petiscos e refeições leves, começas pelas secções "Pr"a picar" e "Pr"a pertiscar", seguindo-se três ou quatro propostas de peixes, outras tantas de carnes, três saladas e duas pastas.

Cestinho com tostinhas e fatias finas de pão de dois tipos - um de água e outro com nozes e sementes -, azeitonas, azeite, cubos de queijo feta (com azeite, pimento e orégãos) e um doce de figos, tudo em pequeninas porções, foram colocados sobre a mesas enquanto se organizavam os pedidos.

Petiscaram-se uns cogumelos salteados com queijo S. Jorge, hortelã, flor de sal e leve vinagrinho (3,90€), pimentos de Padrón (2,90€), alheira com ovinhos de codorniz estrelados (3,35€) e costoletinhas de cordeiro grelhadas com ervas aromáticas (4,10€). Tudo muito bom, correcto e sempre bem apresentado e onde apenas destoou a secura do cordeiro, a denunciar o prolongado congelamento.

Fez-se casamento muito bem sucedido com flutes de espumante (3,55€), de origem francesa e cuja marca não retivemos, que se envolveram na perfeição com a variedade de entradas. Este, note-se desde já, é mesmo um dos aspectos mais simpáticos da casa, já que todos os vinhos, incluindo os Porto e colheitas tardias, estão disponíveis ao copo. E a preços bem convidativos.

Seguiu-se a açorda de gambas (9,90€), que está uma delícia. Equilíbrio e envolvência, a deixar sobressair sobressair a textura e sabor das gambas. Igualmente a demonstrar perícia culinária a massada de bacalhau (10,90€) que se seguiu. Perfeita nos aromas e cremosidade, com os pimentos vermelhos, coentros e cebola a deixar um suco guloso e atraente.

A mesma sensação de gosto e satisfação com arroz de polvo malandrinho com filetes do mesmo (9,90€) que igualmente se convocou. Final a espevitar o palato, dividindo-se os palpites entre a pitadinha de caril e ou um toque de laranja aspergida no final do cozinhado. Puro engano. Apenas um bom puxado com folhas de louro e água da cozedura a apurar os sabores, como explicaria depois a chef Elvira. Quem sabe, sabe!

Igualmente muito bem apresentadas e de grande satisfação a sobremesas provadas: torta de Guimarães com sorvete de papaia com lima (3€); delicia de chocolate (3,20€); e tarte de maçã com gelado de baunilha. Tudo na companhia de Concha e Toro, um colheita tardia bem interessante produzido no Chile e servido a copo (2,25€), a mostrar que nem sempre as coisas boas têm que ficar caras. Assim haja bom-senso e sentido profissional, de que este Cheers é um muito bom exemplo.

"Pr"a picar", a lista propõe ainda queijo marinado, amêndoas torradas e tâmara com bacon (1 a 2 euros a porção). "Pr"a petiscar", há moelinhas com molho "puxa pinga", bolinhos de bacalhau, gambas na frigideira, amêijoas na cataplana, enchidos na frigideira com grelos, choquinhos salteados, morcela com ananás, espetadinha de frango com azeite e manjericão, alheira com ovos de codorniz, pica-pau de novilho e prego em pão chapata. Os preços oscilam entre 2,5 e 6,2 euros.

Para lá da açorda, da massada e do polvo que foram servidos, a oferta de peixes incluía ainda um cataplana de peixes e mariscos (12,55€, com meia-hora de espera) e pataniscas de bacalhau com malandrinho de feijão (8,55€). Nas carnes, a opções variavam entre o joelho de porco com grelos, costeleta grelhada com espinafres, dois bifes (com cogumelos selvagens e com presunto) e um bitoque com espinafres, com preços de 8.6€ a 12€. Há também uma francesinha especial (8€).

Resta dizer que este Cheers é uma espécie de ser duplo, já que há um outro localizado em pleno centro histórico, na Praça de S. Tiago. O serviço é idêntico, mas fica a ideia de que é o espaço Avenida que a vocação gastronómica e petisqueira se concretiza na plenitude. O mentor do projecto é Henrique Ferreira, um jovem e promissor chef cozinheiro, em cujo trabalho se notam os efeitos dos tempos em que trabalhou com Miguel Castro e Silva, provavelmente o mais genial intérprete da nossa cozinha tradicional.

Como agora percebemos, o Cheers conta também com a arte e sabedoria da mãe de Henrique, a tal chef Elvira de que acima falámos, a comprovar a teoria inicial da profícua combinação entre o peso da tradição e os conceitos de modernidade de que Guimarães beneficia e de que o Cheers é um muito bom exemplo.

Não importa se é restaurante ou bar, o que é seguro é tratar-se de um espaço onde a cultura gourmet e o sentido gastronómico está no centro de tudo. Com critério, sentido profissional e qualidade acima da média. E a preços sensatos, o que nos dias de hoje é, talvez, uma virtude bem rara.

Nome
Cheers Avenida
Local
Guimarães, Oliveira do Castelo, Av. D, Afonso Henriques, 917 (junto à estação da CP)
Telefone
253438409
Cozinha
Portuguesa Contemporânea
Espaço para fumadores
Não
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