Aqui ouve-se de tudo: fado de Lisboa, Zeca Afonso, temas originais compostos e interpretados a desoras por Jorge Monteiro... Fuma-se, bebe-se, toca-se e canta-se, sem palco nem capa, e qualquer pessoa que goste pode mostrar os seus talentos.
Gerido actualmente por Hugo Monteiro, Carlos Gil, João Pereira e Jorge Monteiro, o Diligência existe de 1972. Não faltam histórias a povoar um espaço que se caracteriza por ser uma cave, com um pé direito baixo, onde há pequenas mesas com toalhas vermelhas, e que fica praticamente na penumbra, à luz de velas, quando se toca. Talvez por isso seja fácil imaginar que ali se cantou Zeca Afonso de punho no ar, que o próprio terá por lá passado, e, claro, o bar terá também recebido algumas visitas da PIDE.
A sangria é "a bebida mais conhecida da casa, uma receita jurássica do João, guardada no segredo dos deuses", conta Hugo Monteiro, de 27 anos, que é sócio há dois anos e que também toca. Atrás do balcão, João Pereira, que há 26 anos prepara as bebidas, recorda as noites de outros tempos: "O ambiente tem mudado. Sempre se cantou de tudo, fado de Coimbra, de Lisboa, baladas... Mas esta casa foi sempre um bocado anárquica, sem palco, sem capa e batina, sempre foi muito intimista, é esse o encanto. Antes do 25 de Abril, havia tertúlias, cantavam-se músicas proibidas".
Jorge Monteiro, sócio de 63 anos que toca e canta, também se lembra de aquela casa ter sido um local muito ligado "à esquerda", nos anos que se seguiram ao 25 de Abril. Admite que os tempos são outros, mas no essencial o que interessa é que no Diligência "cada noite é uma noite, as noites nunca se repetem".
Normalmente, o espectáculo começa por volta das 22h, tocam-se quatro ou cinco músicas, faz-se um intervalo, acende-se a luz e, depois, volta-se à penumbra e à música. Lá para a meia-noite, se houver gente que queira, é só levantar-se do banco e cantar. Camané, Carlos do Carmo, baladas de Zeca Afonso, Fausto, até Sérgio Godinho, Jorge Palma e bossa-nova se canta fora de horas. "Esta casa caracteriza-se por ter um ambiente informal, mas profissional. A gente faz o nosso espectáculo, mas depois a clientela vem porque gosta de cantar. Entre os clientes há sempre um que diz "agora quero cantar", acrescenta Hugo Monteiro. Não há capas nem xailes: "Aqui é tudo alérgico a uniformes", diz.
O público foi sempre muito diversificado, nota o sócio e músico Carlos Gil. Estudantes, turistas, famílias inteiras e muitos "repetentes", aqueles que gostam de afinar a voz pela noite dentro, estão entre os que frequentam a casa. No Diligência, já muita gente cantou, muitos desconhecidos, mas também alguns famosos, como Vitorino e José Cid.
É quinta-feira e a noite começa com um original da autoria de Jorge Monteiro, que tem tanta genica que até toca com os dentes: "Jimi Hendrix da Solum, que é o meu bairro!", apresenta-se. Uma das canções que criou fala sobre o povo português - chama-se Português Suave. Uma parte do público já a sabe de cor, a outra, um grupo de chineses, tenta acompanhar: "Português suave, português suave, / português suave, sem bombas a rebentar/ Português suave, português suave/ Português suave, que se lixe, deixa andar!".
"Arigató!", diz-lhes Jorge Monteiro no fim. "Chinese, chinese!", repetem-lhe duas raparigas. "Ahhh! Chinese! Como é que lhes digo obrigado?", pergunta o músico para o lado. Yuc Yu (o nome significa felicidade), que está a estudar português em Lisboa, diz-lhe: "Gostar muito da música. Muito bom!".
No Diligência, a noite ainda é uma criança e, já bem depois da meia-noite, Joana Gonçalves, uma amiga da casa, levanta-se do pequeno banco para encher o espaço com o poder das suas cordas vocais. "Vamos lá tocar qualquer coisa para a Joana cantar!" Fado, música brasileira... Eles tocam e cantam até que a voz lhes doa e até que o João feche o bar e não sirva mais sangria.
- Nome
- Diligência
- Local
- Coimbra, Almedina, R. Nova, 30
- Telefone
- 239827667
- Horarios
- Todos os dias das 18:00 às 02:00