Fugas - restaurantes e bares

Miriam Lago

Ó subalimentados do sonho, o Botequim é para comer, beber e conviver

Por Luís J. Santos ,

Nos anos 70 e 80 foi espaço de tertúlias poderosas, sala de estar de grandes nomes cercados por todos os lados pela figura imponente de Natália Correia. E eis que o lendário Botequim do Largo da Graça, Lisboa, acaba de renascer. Natália é agora apenas espírito da casa mas o novo Botequim não só respeita e homenageia o seu legado como nos dá de bem comer e bem beber num ambiente tão familiar quanto cosmopolita e cultural.

Dezassete anos após a morte de Natália Correia, o seu bar renasceu graças à iniciativa e empenho de Alexandra Vidal e Hugo Costa. Uma bem merecida homenagem à escritora, poetisa e deputada (e etc, etc; popularizada por ácidas intervenções no Parlamento e pelos seus programas televisivos histórico-culturais) e um prazer para todos os que têm bem ciente a importância boémia, política e cultural do antigo Botequim - e até para todos os que não fazem ideia do que para aqui se está a falar. Senhoras e senhores, a lisboeta Graça, resvés sagrado miradouro, tem novo velho destino obrigatório: voltou O Botequim e não é em vão. É entrar e percebe-se logo que está bem entregue e, naturalmente, bem abençoado: o retrato de Natália Correia, pose de deusa fumando meditações em sossego escultural, lança o seu olhar eternamente vibrante sobre todo o acolhedor salão. Observando bem, é impressão nossa ou esta Mona Lisa fotográfica, súbita e misteriosamente, sorriu?

Mas, agora, esqueçamos Natália. Eis o sorriso de Alexandra. Ex-editora de uma chancela editorial lusa (Minotauro), Alexandra deixou as literaturas - mas sem as deixar, claro está: conta-nos que era um sonho antigo abrir o seu espaço e, dizemos nós, aplicar-lhe a sua cultura em forma de café literário. Abriu-se esta janela de oportunidade virada para a Graça e ela não desistiu enquanto não tornou sua (sob empréstimo, digamos) esta casa nataliana. E, assim, sem subsidiações nem coisas que tais, de entre as cinzas, reabre as asas a fénix. E para voar alto; apesar de Alexandra, enquanto conversa connosco, manter os pés na terra (e os olhos no futuro, que lhe custa, admite, que a figura de Natália e o seu espólio não tenham o reconhecimento, cuidado e devoção que se lhe impõem).

Vieram os sonhos de Alexandra e os seus saberes e juntaram-se às experiências de Hugo, antes ligado à gestão numa grande cadeia de supermercados. A dupla assegurou uma irrepreensível reconstituição do espaço, restaurando os tectos belissimamente trabalhados, as estatuetas ou mesmo o clássico e imponente balcão de bar. É apenas uma salinha mas é um gigantesco portal que interliga tempos e sapiências, criando um ambiente amigável segundo uma tradição de hospitalidade que já não é fácil encontrar, uma filosofi a que poderíamos resumir com o estribilho "a minha casa é a sua casa". Saliente-se o detalhe imobiliário: está integrado no complexo habitacional Villa Sousa, já de si um marco histórico, edificado nos finais do século XIX - o próprio espaço d'' O Botequim, mesmo pré-Natália, já por si valeria decerto uma novela, tendo acolhido, quase ininterruptamente, diversos negócios desde a inauguração da vila.

O novo Botequim, que desde logo garante uma ementa bem fornecida de petiscos (graças a Alexandra, que também tem dom para a cozinha) e bebidas q.b. (salte para as caixinhas para saborear), guarda outras preciosidades: além da dezena de sólidas mesas e cadeiras, inclui alguns itens do antigo bar e decora-se com candeeiros e detalhes déco, peças vintage recolhidas e restauradas ou fotografias de ilustres companhias (Amadeo de Souza-Cardoso ou Amélia Rey Colaço, obviamente Natália). Uma das paredes é consagrada a estante de livros (Ary estava em destaque, em boa companhia de sábios lusos como Ferreira de Castro ou Teixeira de Pascoaes) e criativas peças artesanais. Em breve, conta Alexandra, esta será uma secção quase alfarrabista, com venda e livros à disposição, café literário oblige. A animação do espaço incluirá concertos íntimos, sessões literárias, cinema (português, estando em preparação um ciclo com a Castello Lopes), conversas ou mesmo workshops (um de filosofia está já na calha). Mas cada dia é um dia: na noite que por lá passámos, tinha aparecido uma artista a sugerir tocar umas musiquinhas e assim se fez um concerto íntimo enquanto os comensais se dedicavam aos prazeres da mesa. "...E é assim que sem poetizar/se faz a si mesmo o poema" (Poema Involuntário).

Nome
O Botequim
Local
Lisboa, Lisboa, Largo da Graça, 79
Telefone
218888511
Horarios
Todos os dias das 10:00 às 02:00
Website
http://www.facebook.com/botequim
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