Fugas - restaurantes e bares

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De taça na mão e boémia no coração

Por Andreia Marques Pereira ,

A personalidade é borbulhante, o espírito jovial como a bebida que lhe dá origem e de onde lhe veio o nome.  É a primeira champanheria da Invicta e promete muitos brindes com espumantes, cavas e champanhes a copo, taça ou flute.

"Está-se bem aqui... Tem aquecedores a gás. E vinho tinto a copo." Só ouvimos o lado de cá do telefonema, mas sabemos que teve efeitos persuasores - em pouco tempo chega a companhia de quem o faz. Sentam-se na sala dos fundos, na segunda sala da recém-estreada Champanheria da Baixa. Este é um espaço mais intimista, ou não fosse feito de sofás e poltronas que convidam a ficar. O aquecedor a gás está num canto, mas nós, que até nos sentamos na sala de entrada, também temos um aquecedor a gás para aquecer este final de tarde do "dia mais frio do ano", anuncia-se por todos os meios na comunicação social. Aqui, temos vista para a esplanada, deserta mas com mantas negras para tentar os mais ousados. Estamos num "coraçãozinho da cidade ao lado dos Aliados" e a descrição é de Bruno Gomes, um dos proprietários-mentores de uma das mais recentes adições à movida da Baixa portuense - como não queria ser mais um, mais um bar ou mais um restaurante, fez-se champanheria. A única da cidade e um caso raro no país.

E este é um daqueles casos em que o nome não engana. Aliás, quis ser assim óbvio. "Se fôssemos uma champanheria mas tivéssemos outro nome não teríamos o mesmo impacto", considera Bruno Gomes. E são champanheria estrategicamente encaixada num nicho de mercado muito distintivo, já vimos. Bruno e o sócio Rui Barreto, um designer gráfico e um gestor de empresas, decidiram ter um espaço de base borbulhante - "fazia todo o sentido para nos posicionarmos" - onde o champanhe é santo-e-senha e o espumante o seu sidekick. "Claro que o champanhe é caro, o espumante é mais acessível", nota Bruno, "e nós queremos ter abrangência". Abrangência e pouca ortodoxia. "Não somos quadrados", brinca. E por isso a carta deixa-se imiscuir por outros líquidos, como a cerveja e o vinho (dois brancos e dois tintos). "Acho desagradável que venham grupos e haja alguém que não goste de champanhe e não tenha mais nada."

À nossa volta, há mais vinho tinto do que champanhe, mas o frio lá fora pode justificá-lo. Vinho tinto e tapas (mas há menus com flûte e duas tapas) a aconchegarem os espíritos, nesta zona que Bruno caracteriza como mais de cafetaria, mas que não tem nada a ver com a imagem clássica destas. Mobiliário de madeira escura, cadeiras com braços ao estilo de pub anglo-saxónico, balcão pesado e minimalista dentro do qual se alinham garrafas de champanhe e copos em prateleiras alternadas em rigorosa geometria, paredes cinza claras com granito a encaixilhar janelas que foram montras, entrada que foi parede. É um ambiente elegante e despretensioso e, claro, não é acaso.

Havia um modelo para a champanheria que os dois sócios idealizaram. Depois, foi só desconstruí-lo adaptando-o à imagem deles. Em Barcelona beberam, então, a inspiração primordial - mas esta é a típica "taberna espanhola", com "cavas baratas, presunto pendurado no tecto": ambiente descomprometido, sim, mas também "são-joanino"; e em Madrid viram a outra face da mesma moeda - "mais high-tech, mais Moët & Chandon". Do sincretismo nasceu a Champanheria da Baixa, atmosfera relaxada, sim, mas em cenário cuidado, criando pontes entre o passado e o presente, na arquitectura e no espírito (boémio é a palavra mais ouvida e já lá iremos). E com um cunho muito pessoal, ou não fosse este um projecto acarinhado como uma mudança de vida, se atentarmos na génese de tudo - Bruno dixit.

"Estava fartinho de estar em frente ao computador das 9h às 20h. E acho que não é muito humano... Já não me dizia nada, andava desmotivado criativamente." Como tantas vezes acontece, a falar com o amigo Rui surgiu a ideia: "Vamos abrir alguma coisa." Ele sabia da "queda" de Bruno para a cozinha, do seu gosto em receber amigos para jantaradas. Como tantas vezes acontece, a ideia ficou a marinar: "Até que apareceu a alavanca, que foi eu ter saído do gabinete de design onde estava." Foi então que a ideia se começou a apurar. "Gosto de cozinhar mas restaurante não me agradava, tem uma estrutura pesada. Bar tão-pouco, não sou pessoa de noitadas até à madrugada. Então optámos por um misto, sem o formalismo da hotelaria, mas com bom gosto. Sou um esteta acima de tudo."

Uma loja na Rua Cândido dos Reis surgiu primeiro como possível casa do projecto. "Mas era pequenino. Só mesmo champanhe e caviar." O caviar é ironia, esclareça-se. Não era a cara deles, não era a cara da champanheria, portanto. Esta foi encontrada aqui, onde a Rua da Picaria se encontra com o Largo de Mompilher - onde partilha o passeio da esplanada com o Candelabro. Era uma loja de móveis e era memória de uma infância passada na órbita desta praça, que tanto lhe diz, à boleia dos empregos da mãe, da tia, não muito longe. "Sempre gostei muito da traça do edifício", confessa, "sem nunca imaginar que um dia teria algo a ver com ele."

O dia chegou quando o espaço ficou livre. Lá dentro, encontraram "plástico dos anos 60 no chão e alcatifa na parede". "Nunca imaginei", continua a surpreender-se Bruno. Mas não houve desistência. Primeiro passo: demolir tudo, até ao esqueleto. A partir daí, foram-se enchendo camadas até se recuperar a traça do espaço incrustado num prédio de meados do século XIX. Por exemplo, recuperou-se o que já havia sido, com certeza, uma porta para o largo, que estava fechada - os degraus indiciavam a sua existência, a Carta Azul de 1913 descoberta na Casa do Infante provou-a; mantiveram-se as molduras de granito e recriaram-se delicados e discretos estuques no tecto; no chão o soalho é novo com técnica retro - em espinha, provocou dores de cabeça nos operários. As paredes foram pintadas com um tratamento rústico, "para criar contraste com a delicadeza do estuque", chapa zincada no corredor de transição entre as salas assume e assinala o único elemento novo do espaço - um módulo que alberga a cozinha e esconde o vão de escadas do prédio; a garrafeira da sala das traseiras foi uma solução estética mas, sobretudo, pragmática: como não há espaço de armazém, ficam ali as garrafas guardadas e expostas, entre uma estante embutida e um espelho entre granito. O resultado é acolhedor e intimista, a que não é com certeza alheio o jogo suave de luzes que insinua mais do que revela.

O que se revela despudoradamente é um cartaz "Champanheria da Baixa", de frente para a entrada em tons de azuis e amarelos e grafismo belle époque, com taças de champanhe erguidas. O cartaz há-de ter companhia - uma espécie de colecção da boémia, desenhada especialmente para aqui. Afinal, a boémia com espírito dos anos 20 quer-se omnipresente, como se entrevê pelos indícios subtis: o cartaz, as taças pousadas no balcão e que substituem os flûtes ("associo-as mais à boémia, embora digam que o flûte preserva melhor o champanhe", nota Bruno, que comprou cerca de 40 numa venda de Natal e não quer ficar por aí). E, em abono da verdade, a boémia aqui quer-se de todas as épocas, sobretudo das míticas no imaginário de Bruno Gomes: a parisiense do virar do século, está visto; a dolce vita dos anos 50 e 60 que terá uma espécie de wall of fame com actores de cinema europeus e da época dourada de Hollywood - de preferência com uma taça de champanhe na mão; e o disco sound dos anos 70, que se solta durante à noite das colunas.

Aqui não há DJ, há uma playlist cuidada, sublinha Bruno, para a qual contribuíram amigos mais entendidos nas lides, explica, que partiram das suas indicações. Das suas referências, portanto. Daqui a pouco, como a noite já está oficialmente a chegar, saltarão para o sistema de som ilustres representantes de uma boémia algo decadente da década de 70 - uma oriunda da Europa (com o álbum Baia degli Angeli - 1977-78 e a homenagem a uma discoteca lendária) e outra dos EUA (John Morales com os M+M mixes traz Nova Iorque além do saturday night fever). Durante o dia, o eclectismo é a palavra de ordem. "Música francesa, italiana, de filmes dos anos 60, de grandes orquestras... Coisas com piada, tipo versões de Casino Royale com orquestra", explica Bruno. Quer atravessar o século XX, misturando décadas: 20, 50, 30... "Sou saudosista do que não vivi. Mas agora até acho piada aos anos 80, aos 90 é que ainda não." Nasceu em 1981, é mais novo do que o sócio. Juntos quiseram fazer um bar diferente e intemporal. No passado, no presente e no futuro, sempre de taça de champanhe na mão - ou, vá lá, um dos cocktails borbulhantes: Bellini ou Kir Royale - e boémia no coração. 

Nome
Champanheria da Baixa
Local
Porto, Vitória, Largo de Mompilher nº1/2
Telefone
220962809
Website
http://www.champanheriadabaixa.com
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