Nesta conversa vale tudo, até descer de nível. O aviso vem num diálogo de obras que começaram a instalar-se numa parede, como se em casa estivessem. Mas é extensível a todo o Baixaria, não aconselhável a sensibilidades que se podem ferir com frases como "Oh pipoca vamos estoirar na panela?", "More deixa ser teu regador", "Oh febra encosta aqui a brasa", "Oh morcona comia-te o sufixo" - "Há quem os chame de trolhas... eu chamo-os mestres de engate".
As reacções mais visíveis, por enquanto, são divertidas, com fotografias tiradas junto do grande quadro negro onde estes ditos se encaixam. E é assim o Baixaria, in your face, directo, sem filtros, como sublinha Paulo Graça Moura, um dos quatro sócios (ele marketeer, os outros arquitectos). "Somos o mais sinceros possível com o nosso público, sabem com o que contar. Quem não gostar do espaço percebe-o rapidamente."
No entanto, há mais neste Baixaria do que vemos à primeira vista. Ninguém diria, mas há um discurso complexo por detrás do mais recente habitante da noite portuense (abriu a 10 de Novembro). Ninguém diria porque o vemos de tal maneira informal e despreocupado que até parece fácil ser assim. A ideia veio de São Paulo, onde dois dos sócios arquitectos tiveram oportunidade de conhecer uma forma de estar na noite diferente da de Portugal e da Europa. O Baixaria não é igual a nenhum bar paulista, mas tem fios condutores semelhantes: o uso de materiais pobres, mas riqueza em cultura e interacção social. O orçamento (baixo) ajudou e entramos neste bar com surpresa constante perante a maneira como materiais convencionais são aqui utilizados de formas novas que modificam a sua génese.
Por exemplo, caixas de fruta fazem as vezes de armários na parede, adornados de plantas, como avencas, e de bancos, cujas almofadas são sacos de serapilheira que serviram para transportar café do Brasil; há candeeiros que estão em vasos pendurados com arames onde cresce hera que um dia será o abat-jour; as tábuas dos balcões já foram soalho de uma casa; o papel de parede veio de uma casa onde um amigo interveio para fazer um festival de artes e que encontrou com restos da profissão do antigo locatário - negociante de papel de parede.
A fachada é toda ela envidraçada, num canto da Rua do Almada a espreitar a Praça de Filipa de Lencastre. Entramos para um chão de cimento e umas paredes que parecem retalhos - e em parte são. Uma é também ela descarnada, cimento; outra cobre-se de um stencil e outra de retalhos de papel - seguimo-la escadas abaixo, com papel que se sobrepõe e se "rasga", como se de uma casa velha se tratasse, até estabilizar no andar inferior em pintura que vemos ocre. Telas perfeitas para as obras de arte que aí se instalam: uma, já vimos, são quadros em diálogos pouco heterodoxos; outra são mapas de cidades recortados em papel e assentes em pratos redondos; outra são ilustrações - sobra um espaço para a lousa onde os insultos competem entre si e para a saída para um pátio.
Se esta Baixaria quer ser uma zona franca para a cultura, "em ambiente informal", as suas paredes "têm capacidade inata para ter arte exposta": na cave repousam as exposições temporárias; entretanto, já passamos as portas das casas de banho com os seus grafittis a preto e branco que são permanentes, assim como o stencil do rés-do-chão e até a televisão que emite por cima do balcão principal um jogo de futebol. "Baixaria também é isso, isenção de preconceitos", afirma Paulo Graça Moura. Afinal, "a cultura para todos tem de ter coerência, tem de ser para todos e não para alguns".
- Nome
- Baixaria
- Local
- Porto, Santo Ildefonso, Rua do Almada, 224
- Telefone
- 222086143
- Horarios
- Terça a Quinta das 18:00 às 02:00
Sexta e Sábado das 18:00 às 04:00
- Website
- http://www.facebook.com/baixaria224