Fugas - restaurantes e bares

  • Daniel Rocha
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Aqui d´El Rei, há uma brasserie na serra!

Por Fortunato da Câmara ,

Em tempos foi terra de impossíveis amores, passados quase 700 anos é lugar de improváveis sabores. Na Serra d' El Rei, perto de Peniche, existe um pouco do ambiente da Paris boémia camuflado sob o nome Tribeca.

Não há caso para alarmes com a invocação monárquica. O sobressalto intitular expressa apenas a agradável surpresa por descobrir numa pequena vila a existência de uma competente cervejaria. A novidade seria curta não fosse o facto de ser uma cervejaria mas de inspiração francesa. Uma brasserie de estilo parisiense, baptizada com nome de bairro nova-iorquino, dissimulada em plena Serra d"El Rei.

Em semana de Carnaval, não se pode dizer que esta máscara não tenha funcionado: vai completar três anos em Abril, mas quase parece uma novidade. A discrição que tem mantido começa logo na incaracterística aparência exterior do edifício onde se encontra. Apesar do letreiro a dizer Tribeca estar bem visível à entrada, o nome remete mais para um bar do que para um restaurante, o que lhe acentua o lado misterioso, talvez até propício a refúgio de namorados. Seguindo a agenda da semana em que depois da folia o amor andou no ar, até se encontram inspirações amorosas no passado da localidade. 

A beleza e o cunho recatado da Serra d"El Rei foram-lhe impressos pela paixão imortal de D. Pedro I. Ficou desde aí a ser a serra onde el-rei se refugiava num paço discreto para consumar com Inês o amor concreto que fez dela mulher e mãe - ou apenas amante. Rumores de uma paixão distante, mas omnipresente ao longo dos séculos. Os motivos que ainda hoje atraem quem visita a vila mantêm-se inalterados. 

Um manto rugoso de retalhos campestres vai descendo até à planície, conduzindo a paisagem a desaguar no Atlântico. Cenário que continua a tranquilizar quem por aqui se passeia com entusiasmo a cada final de semana ou em tempos de veraneio. A mesma envolvência que cativou D. João I, quando por aqui ia repousando após a forma intrépida como deu início à Dinastia de Avis. Antes dele, já D. Fernando se tinha deleitado por estas paragens em temporadas de caça e copiosas pescarias. Recordação perfeita para se deixar o real passado serrano e se retomarem os trilhos da mesa.

Portanto, do lado de fora pouco se dá por este Tribeca. As revelações começam a surgir ao cimo das escadas, onde se encontra uma esplanada airosa e bem arranjada. Logo à direita da entrada, um escaparate de belos peixes confirma as vantagens de se ter Peniche a uma dúzia de quilómetros de distância. A sala é ampla e tem um pé-direito generoso e o espaço entre mesas é igualmente desafogado. Na decoração predominam as madeiras escuras e os tons grená em estofos e painéis. O mobiliário cria a ambiência típica das brasseries francesas. Divisórias a formarem recortes acolhedores, ventoinhas no tecto, apliques com iluminação em globo, e um vistoso mezanino ao fundo onde fica um elegante bar e a zona de serviço.

O aparelhamento das mesas fica a dever em conforto ao padrão parisiense pela singela opção por individuais - no entanto, há guardanapos de pano. Elaborada, e bem apetrechada, está a ementa. Além de uma lista de pastas e algumas opções rotativas, é na parte fixa que estão os pratos mais sonantes. Nas entradas, os peixinhos da horta, o foie gras, o camarão de Moçambique al ajillo e as ostras são um dos périplos possíveis no eixo luso-francês que dá o tom a toda a carta. Bulhão Pato de robalo e lingueirão, arroz de lagosta, empada de marisco e molho de crustáceos, além de mariscos ao natural, são algumas das etapas marítimas do menu. As carnes têm propostas como galo do campo em vinho tinto da Estremadura (infelizmente esgotado nesse dia), posta de novilho da Argentina, alheira de caça de fumeiro e um bife à Tribeca, com nota de ser inspirado no bife à Marrare - consta que o proprietário faz parte da sociedade que gere o lisboeta Café de São Bento onde o bife é cartão-de-visita.

Para preparar a investida num leque tão variado de propostas foi-se petiscando um pão amarelo adocicado (dito de trigo americano) e outro branco, ambos medianos, manteiga razoável. Nas entradas do dia havia umas boas "empadinhas de carne" (1 euro por unidade), com a massa folhada a apresentar-se seca e estaladiça e um recheio rico em matéria-prima, variada e de tempero apaladado. 

Chegou entretanto a "morcela das Beiras grelhada" (5,50 euros), quatro pequenos troços do enchido de boa qualidade, que contrastaram de forma positiva com um agradável chutney de maçã e pêra. Pouco interessantes eram os "pastéis de massa tenra de caça" (4,90 euros), com os quais a expectativa saiu gorada ao sentir-se muito pouco o sabor a "coutada" num recheio empapado, onde só relevou a boa execução da massa. 

O intróito mais aguardado era a "sopa de navalheira em crosta folhada" (8,50 euros), que desde logo fez lembrar a emblemática sopa de trufas e foie de Paul Bocuse (soupe V.G.E.). Uma miniterrina "seladinha" por uma cúpula dourada de massa pronta a espoletar uma invasão de aromas. Efeito alcançado após o primeiro rombo que a colher fez no topo. O odor a mar do creme de navalheira aprisionado na abóbada folhada libertou-se para dar ao nariz o lugar cimeiro nesta degustação. O molho rico em sabor podia estar ligeiramente mais leve de natas, mas cumpriu largamente o esperado. A posteriori constatei no site que a receita surgiu após um estágio realizado no Instituto Paul Bocuse em Lyon. Lição bem assimilada.

Para enquadrar o eclectismo da lista há uma carta de vinhos com dezenas de referências a preços dentro da especulação habitual, datadas e com indicação das castas. A generalidade da oferta centra-se nas gamas médias das principais regiões excepto do Douro, bem representada por vinhos do segmento premium. Boa aposta também em espumantes e champanhes. Mais ambiciosa podia ser a oferta de vinho a copo, que não passa de um quinteto de opções. Serviço correcto de copos e temperaturas, sempre amável e informado ao longo da refeição, pena a falha (de emenda fácil) ao trazer um vinho branco já servido, ainda que em dose generosa, mas sem se poder vislumbrar a garrafa.

Tudo encaminhado, então, para saborear um belíssimo "lombo de robalo em massinha de caldeirada" (15,50 euros). Sugestão do dia onde o dorso opulento do peixe, (com uma ou outra espinha?!) depois de marcado na chapa, foi colocado sobre um molho sedoso e equilibrado a lembrar uma tradicional caldeirada lusitana, e que envolvia massas de cotovelinhos perfumadas com hortelã. A costela gaulesa da ementa chegou com o clássico "linguado au Meunier" (52 euros/quilo), um exemplar de 350gr habilmente liberto de espinhas junto à mesa, na melhor tradição do serviço à russa, e regado com o molho alimonado de manteiga e salsa. A acompanhar, um puré de batata "trufado", guloso de manteiga e nata como é timbre da tradição francesa, mas apenas com vestígios de qualquer que fosse a excelsa túbera.

A vertente de brasserie veio com o "pernil de porco com molho de mostarda" (13,40 euros). Um coto de tamanho ajustado e carne de sabor meio insípido, a viver muito do delicado e bem condimentado molho de mostarda servido à parte. Destacaram-se uns robustos palitos fritos de boa batata. O prato que fez a ponte entre França e Portugal foi uma óptima "empada de faisão e perdiz" (16,90 euros), que só está disponível de Outubro a Abril. Um rectângulo de massa folhada fininha, repleto de um recheio húmido, feito com cogumelos e as carnes desfiadas, temperadas com especiarias e vinho generoso. Infelizmente, novo deslize na preparação, ao aparecerem dois ossos delgados e três chumbinhos. Para alguns atesta a autenticidade, eu prefiro ter a confirmação da carne através do sabor, aqui com vantagem para a perdiz sobre o faisão, felizmente! Um chumbo passa, agora três a juntarem aos ossos já resvala para uma preocupante falta de atenção. A guarnecer, umas pouco práticas batatas palha, um esparregado cabal e uma memorável e profunda pêra Rocha em vinho tinto da Estremadura, cujos matizes gustativos quase vestiram luvas para acompanhar a complexidade da empada.

Nome
Tribeca
Local
Peniche, Serra d'El-Rei, Av. da Serrana, 5
Telefone
262909461
Horarios
Domingo, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:30 às 14:30 e das 19:00 às 22:30
e Segunda-feira das 19:00 às 22:30
Website
www.tribeca-restaurante.com
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