Ao caminhar pela rua, quase não se dá por ela. A casa é de fachada estreita, tem uma janela cuja vista para o interior é algo obstruída por adereços rústicos e, mesmo espreitando da porta da rua para dentro, o mais provável é que a quantidade de clientes em pé, a aguardar mesa, iniba os forasteiros menos pacientes e os faça dar meia volta.
Mas, tal como no faroeste, dos fracos não reza a história: saquem-se as carteiras e os casacos, apontem-se-nos aos cabides distribuídos por paredes e balcões, explique-se ao dono do saloon aquilo a que se vai e espere-se com calma, fazendo mira à mesa que não tardará em vagar.
Enquanto isso, impõe-se fazer o reconhecimento do terreno: o restaurante e wine bar Tasqueiros sem Lei, na principal rua do centro histórico da Feira, apresenta-se em paredes de pedra, banquinhos de madeira, louceiros antigos, jarros de latão, louças de barro vermelho, radiofonias vintage, quadros de ardósia, xailes de fado. É gerido por cavalheiros e donzelas de trato refinado e traje aprumado — usam suspensórios discretos, laços no colarinho e chapéus de chef em tom vinácea — e tem um ambiente que pode parecer confinado, mas é meramente aconchegado. O que mais convence, ainda assim, é algo que não se detecta no horizonte visual: o cheirinho a comida boa, o apurado aroma a sabor.
Uma vez à mesa, é então na ementa da casa que melhor se percebe por que é que o espaço se designa “sem lei”: isso deve-se não só a uma farta oferta de vinhos, no que a gerência se opõe a qualquer Lei Seca instigadora da abstinência báquica, mas também ao facto de a sua ementa culinária não ter regra fixa, alterando-se diariamente, consoante a inspiração da cozinheira-mor. Moelas, pataniscas, bochechas de porco e fígado de vitela em cebolada há todos os dias, por exemplo, mas papas de sarrabulho bem puxadas de pimenta servem-se só à sexta; migas de bacalhau e chanfana de borrego estão reservadas para o sábado; petinga é quando o mar a traz à rede e a cozinheira está perto para a apanhar; arroz de cabidela quando a chef o entender ou um grupo de clientes o encomendar. E se é verdade que a página dos Tasqueiros no Facebook vai informando dos diferentes petiscos diários, garantido mesmo é o paladar, que chega à mesa em pratos desirmanados, pequeninos, mas de sustento. Seja na sopa de couve-flor e penca, nos filetes de polvo, na morcela cozida ou na mão-de-vaca com grão, o sabor nota-se experiente — intenso, mas justo.
“A cozinheira é dotada”, diz um cliente de Gaia, que aparece pelos Tasqueiros sempre que lhe apetece uma refeição consolada. “A moça tem jeito e nota-se que faz uma coisa diferente”, acrescenta sem largar o prato, para embaraço de Catarina Oliveira, cuja lida entre as panelas se faz a poucos centímetros dos clientes que optam pelo balcão do fundo. Dessa proximidade resulta uma inevitável atenção à forma como cada freguês reage aos seus cozinhados e daí a confissão: “Isto não é ser dotada; é ser obcecada. Quero tanto que as pessoas gostem do que eu cozinho que, se um prato não me sai bem à primeira, tento segunda vez, experimento uma terceira, arranjo outra maneira ainda — é as vezes que for preciso até ficar no ponto!”.
- Nome
- Tasqueiros Sem Lei
- Local
- Santa Maria da Feira, Santa Maria da Feira, Rua Doutor Roberto Alves, 33
- Telefone
- 256 025 112
- Horarios
- e