Temos, então, o chefe Cordeiro, como ele gosta que lhe chamem, pela primeira vez a cozinhar em Lisboa, e num restaurante, este Feitoria, do belíssimo Altis Belém Hotel, à altura da sua capacidade e ambição. O chefe Cordeiro - José Fernando de Rêgo Cordeiro - propõe-nos ementas que, olhando para o mundo, se inspiram nas tradições culinárias portuguesas.
No serviço à lista pode escolher-se de um conjunto de sete "entradas frias e quentes/sopas & cremes", sete "pratos de massa, vegetarianos e peixes", cinco "pratos de carne", oito "sobremesas e doces". Há ainda um menu degustação de quatro pratos (40 euros, sem vinhos); um outro de cinco pratos (50 euros, sem vinhos); e, finalmente, o "menu criativo", que deve ser encomendado com 48 horas de antecedência, com preço variável, elaborado à medida de quem o pedir, que há-de confiar na capacidade criativa e inovadora do chefe Cordeiro, o qual dá "uma certeza, 80 por cento dos produtos que serão usados são nacionais, o que desvenda desde já uma pista, quando ao resto são perguntas a fazer ao gosto". Já agora, informe-se que o Feitoria tem uma carta de vinhos, nacionais e estrangeiros, todos com indicação da data de colheita, de dimensão incomum e a preços de grande razoabilidade, bem como cartas de águas, azeites, chás e charutos.
O chefe Cordeiro faz uma cozinha de cores, aromas e sabores bem definidos, tecnicamente irrepreensível e que nunca perde de vista o essencial, isto é, fazer feliz quem se senta à mesa do Feitoria. A surpresa também pode intervir. E foi esse o caso da entrada quente "Lembranças de um caldo verde..." (8,50 euros), que é a recriação do caldo que alimentou gerações e gerações de portugueses do interior. O chefe Cordeiro não se esqueceu de nada: do puré de batata, do azeite, da couve finissimamente cortada, da chouriça aos niquinhos e também do presunto, este em finas fatias estaladiças, e até o fumo da lareira sobe no ar quando se destapa o recipiente de porcelana branca em que o cozinhado chega à mesa.
Outra criação bem lograda são os "ravioli de abacaxi com morcela regional e ar de coentros" (12 euros), surgindo-nos o enchido escondido em embrulhinhos de polpa de abacaxi, em vez da já muito vista companhia de maçã; conjunto muito saboroso, com a frescura doce do fruto tropical a cortar a gordura deste enchido de aroma e sabor afirmativos; equilíbrio e sugestões agridoces colhem-se nas "vieiras, camarão e caviar de salmão sobre patanisca de ervas frescas. Vinagrete de lima ''Kaffir''" (18 euros); e resulta bem a associação ousada, embora não estranha, pois há um ou outro prato da tradição portuguesa que harmoniza produtos da terra e do mar, do "lavagante perfumado com paio da Serra da Estrela. Creme de ervilhas e compota de cebola roxa" (19 euros).
Nos pratos principais elegeramse o "salmonete de Setúbal com espargos, foie gras e canilha de lingueirão" (24,50 euros), cuja expressão sápida foi prejudicada por uma ligeira presença de cheiro e sabor a fénico, pareceu-me; correcto o "peixe-galo em beurre noisette, spaetezel de espinafres com amêijoa, tomate cereja e mini acelgas. Compota de tomate e gengibre" (25 euros); mas o prato de peixe que brilhou a grande altura foi o "pargo ao sal com ervas aromáticas e açorda real de mariscos de Sesimbra" (29,50 euros), devido à frescura e suculência do peixe, guardadas de forma engenhosa num invólucro de folhas de alho francês e citronela, tudo envolvido por uma calota de sal grosso. Excelente ainda o acompanhamento.
O único prato de carne pedido foi a "pá de cabrito DOP cozinhada a baixa temperatura e guiseira campestre" (24 euros), que deixou de si uma bela memória. Tempero e ponto de cozedura impecáveis do cabritinho, cuja suculência estava superlativa, "guiseira campestre" bem achada, pois é uma espécie de salada montanheira algarvia, mas servida quente, com batatinhas, vários legumes frescos, entre eles alguns miniaturas (maçarocas de milho, nabos, cenouras...), espargos verdes, cebola. As doses são generosas.
Bebeu-se, ao longo de toda a refeição, com grande prazer e alguma nostalgia, pois estes vinhos vão desaparecer, uma vez que o projecto que os sustentava encerrou portas, o branco Covela Colheita Seleccionada 2007 (19 euros a garrafa). Ter-se-ão bebido as duas últimas garrafas da reserva do Feitoria.
Para sobremesa, apesar de ser tentador o "prato de queijos nacionais (Terrincho, Serra, Nisa, Azeitão e Serpa)" (14,50 euros), ficamo-nos, e bem, pelos doces: "Tortinha de Azeitão sobre saladinha de citrinos, areia de pistáchio e gelado de tomilho limão" (9 euros); "folhado de ovos-moles com avelã torrada e lima, tapioca de coco e gelado Maplesyrup" (8,50 euros); "trilogia de maçã granny smith" (7,50 euros); e "fruta fresca laminada sobre morgado de ginjas e sabayon de pistáchio gratinado" (8,50 euros). Aceitou-se a sugestão do escanção, profissional competente e discreto, e bebeu-se o belíssimo Moscatel Roxo 1998, Colecção Privada Domingos Soares Franco, da José Maria da Fonseca Succs (7 euros o cálice). O café é muito bom e as tisanas são calmantes.
Temos, então, em Lisboa, o chefe Cordeiro, depois de ter trabalhado em cozinhas no estrangeiro e em muitas outras portuguesas. Numa delas, em 2005, na Casa da Calçada, em Amarante, o seu trabalho foi distinguido com uma estrela Michelin e também pela elitista Academia Portuguesa de Cozinha. A sua cozinha actual é, como seria de esperar, mais segura, mais definida, mais depurada e mais criativa. Se os prémios chegarem, tal não deverá ser motivo de espanto. Será tão só o reconhecimento público de trabalho árduo e competente.
- Nome
- Restaurante Feitoria
- Local
- Lisboa, Santa Maria de Belém, Doca do Bom Sucesso
- Telefone
- 210200400
- Horarios
- Terça a Sábado das 12:30 às 15:30 e das 19:30 às 23:00
- Website
- http://www.altishotels.com
- Preço
- 50€
- Cozinha
- Autor
- Espaço para fumadores
- Sim