Fugas - viagens

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O Luxemburgo das encruzilhadas

Crise de identidade

Miradouros talvez não seja a palavra certa, varandas é como os luxemburgueses gostam de se referir às beiras dos planaltos que constituem a sua cidade -dizem que La Corniche, que une a cidade antiga alta com o Grund, é a varanda mais bonita da Europa ( já lá iremos). Há vales profundos entre os planaltos que se miram mutuamente, no fundo, parques ou bairros da cidade que sim, é verde, ou da cor branca crua dos edifícios que a cobrem. Alguém escreveu que a cidade tem o aspecto de casa de vários pisos - diríamos que essencialmente dois -, que se empoleira nas alturas ou se despenha em abismos sulcados pelos dois rios Alzette e Pétrusse. É como uma molécula com vários átomos ligados por pontes e viadutos.

Foi esta geografia a razão da existência do Luxemburgo -que começou como cidade e acabou a dar nome a um país, depois de séculos de turbulência histórica. Há pouco mais de mil anos (em 963), o conde Siegfried (que os pergaminhos dão como descendente de Carlos Magno) construiu uma fortaleza num local óbvio: um promontório (o Bock, onde já existiam vestígios de ocupação romana) rodeado de vales profundos em três lados. A cidade foi crescendo aí e fortificando-se cada vez mais até se tornar quase inexpugnável. Quase.

A partir do século XV a cidade mudou várias vezes de mão, cobiçada pela sua localização estratégica: foi um tabuleiro de xadrez onde se moveram borgonheses, espanhóis, franceses, austríacos e prussianos e a cada novo senhor novo reforço das muralhas (o que, num ciclo perverso, a tornava cada vez mais apetecível). Foi Vauban (o engenheiro de Luís XIV, nome incontornável na história da arquitectura militar) quem, após a conquista da cidade pelos franceses, redesenhou as suas defesas e lhes deu a configuração "actual" -sendo que o que se vê actualmente é o que resta da destruição da fortaleza ordenada pelo Tratado de Londres que, em 1867, ditou o fim da era bélica e tornou o Luxemburgo um estado neutral.

Houve, dizem os livros, uma crise de identidade: depois de nove séculos como cidade fortificada no centro da vida europeia, o que seria o Luxemburgo daí para a frente? Não durou muito, a crise: caíram as muralhas, mas nas rondas plantou-se relva, os fossos foram substituídos por parques e jardins, as casamatas passaram a ser atracção turística e a cidade finalmente libertou-se das grilhetas medievais e transbordou para grandes boulevards ladeados de imponentes edifícios oitocentistas.

E por estar realmente no centro da Europa, o Luxemburgo tornouse numa das capitais da Europa unida. O "bairro europeu", Kirchberg, é claramente alienígena no cenário da cidade -um pouco como La Défense em Paris ou Canary Wharf em Londres: altos edifícios de aço e vidro, avenidas largas e, desde há não muitos anos, o primeiro shopping center do Luxemburgo. E a legião de funcionários europeus que vive na cidade é responsável por alguma da animação nocturna da cidade, que não é bem como dizem alguns locais "depois das 18h00 não se vê ninguém na rua", ouvimos repetidas vezes, mas também não tem a movida que se espera de uma capital europeia.

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