Fugas - viagens

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Índia: Andar muito, devagar

Concluímos que viajávamos ao ritmo da nova tendência, o turismo lento, seguindo alguns dos seus princípios: andar devagar, sem criar impacto, interacção permanente com as pessoas, adaptação a novos hábitos, curiosidade recíproca: nós curiosos e atentos ao país que atravessávamos, e por todo o lado éramos o alvo dos olhos curiosos.

A pergunta normal: de onde vêm, para onde vão? Poucos se espantavam com a nossa odisseia de 2500 km a generalidade das pessoas tem pouca mobilidade, por isso as grandes distâncias são abstractas. Trezentos e sessenta quilómetros a Sul de Bombaim, no parque de estacionamento de um hotel de praia, começámos a falar com um grupo de jovens, nós de partida, eles acabados de chegar de Bombaim. Quando dizemos "Jaisalmer-Cochim" uma das raparigas pede para repetirmos, não estava a acreditar. Eles acharam uma eternidade a manhã na estrada para chegar ali, onde vão passar o fim de semana; nós vamos a meio da nossa viagem, que é sete vezes mais longa que a deles.

Eles chegaram de Land Cruiser, nós conduzimos um riquexó, da famosa construtora indiana Bajaj -Distinctly Ahead.

As inesperadas avarias acrescentavam mais lentidão ao lento turismo e davam um toque de aleatório à viagem. Visitámos templos e mesquitas nas vilas onde fomos ao mecânico e ficámos a dormir em cidades aquém do planeado porque o riquexó não deixou cumprir a etapa. Indapur foi um desses casos: escureceu e ali ficámos porque evitávamos conduzir de noite. Um quarto com casa de banho, mas sem água, três camas, luz branca ou luz vermelha, é escolher. Em baixo, no bar, os empregados animaram com os hóspedes internacionais e, embora falassem muito pouco inglês, comunicámos durante horas por gestos, fotos, mapas, palavras soltas, falou-se de tudo. No dia seguinte ficámos em Ganapatipule, uma praia sugerida por eles.

Cansar por gosto não cansa

Dentro do riquexó, à mesa para comer, ou na cama antes de dormir, com ou sem o mapa à frente dos olhos, às vezes a consciência dos quilómetros que faltavam caía sobre nós como um fardo de peso calculável, mas do qual não se viam os limites. Falávamos entre nós de "pagar quilómetros", de manhã antes de sair ou após o almoço, com um sorriso nos lábios: "Vamos embora, temos muitos para pagar", pagar com gosto.

Esta era uma de muitas expressões que inventámos, um calão rico de humor para amenizar a tensão da estrada, linguagem própria de quem passa muito tempo junto. Um triangulo, cada um de nós a puxar para a frente, força anímica para contagiar as três rodas do riquexó; não é o veículo que nos leva, somos nós que o levamos a ele. Ao mergulharmos na água quente do mar, num fim da tarde de Janeiro, a frase é outra."Afinal de que é que se queixam? É só boa vida!" Em Ahmedabad já só faltam 500 km para Bombaim, passar Bombaim é uma festa, mas agora faltam 500 para Goa, e chegando a Goa faltam 800 para Cochim.

Jaisalmer-Cochim é como ir de Braga a Faro quase cinco vezes, se alguém quiser experimentar sem ir à Índia. Parece que a estrada nunca mais acaba, mas todos os dias acaba, num sítio diferente.

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