Fugas - viagens

  • A estátua do poeta, no Chiado
    A estátua do poeta, no Chiado Miguel Manso
  • A estátua do poeta, no Chiado
    A estátua do poeta, no Chiado Miguel Manso
  • A Brasileira, Chiado
    A Brasileira, Chiado Miguel Manso
  • A casa onde nasceu o poeta
    A casa onde nasceu o poeta Miguel Manso
  • A esquina da Rua da Conceição com a Rua da Prata, onde Pessoa trabalhou e escreveu
    A esquina da Rua da Conceição com a Rua da Prata, onde Pessoa trabalhou e escreveu Miguel Manso
  • Restaurante Pessoa
    Restaurante Pessoa Miguel Manso
  • Marina Tavares Dias é olisipógrafa e estudou os percursos de Pessoa por Lisboa
    Marina Tavares Dias é olisipógrafa e estudou os percursos de Pessoa por Lisboa Miguel Manso
  • A estátua do poeta, no Chiado
    A estátua do poeta, no Chiado Miguel Manso

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A aldeia de Pessoa era o coração de Lisboa


Há figuras de tempos idos

Vamos pelo Chiado de guia na mão e, subitamente, passa-nos uma tipóia ou uma vendedeira de bugigangas pela praça Luís de Camões, saia longa, avental branco, xaile bordado, lenço na cabeça - é levantar os olhos do livro e descobrir o contraste com os desfiles Mango-Zara ou da espiral de modas contemporâneas. Espiamos a Casa Havaneza, local de abastecimento de tabacos, e vemos senhores aperaltados e apressados de jaquetão e chapéu. Ou uma Rua Garrett amarelecida, com anúncios a armazéns de fazendas. Ou crentes em missa concorrida a entrarem na Igreja dos Mártires, num belíssimo preto e branco de 1920. Uma década depois, em carta citada no livro de Marina, escreveria Pessoa: "O sino da minha aldeia (...) é o da Igreja dos Mártires." Não admira, foi ali baptizado, a dois passos de onde nasceu. Aí está ele: "A cada pancada tua,/Vibrante no céu aberto,/Sinto mais longe o passado,/Sinto a saudade mais perto." O jogo da saudade está quase em procurarmos o lugar da imagem e aí nos colocarmos.

Chiado fora, já nos sentimos literalmente nos passos de Pessoa - até porque há fotos do poeta a fazer este exacto vai-e-vem e Marina sublinha cada passada com mais uma história, uma citação, um mito, um dedo apontado a falta de cuidados de manutenção patrimonial ou a arquitecturas descaracterizadas. Voltamos a espiar os turistas a assediarem a estátua que ilustra esta Brasileira nascida em 1905 e cujo interior de clássico café oitocentista foi uma revolução vanguardista quando foi decorado a quadros de modernistas. Mas "A Brasileira que ele conheceu não é propriamente esta", "não havia tanta gente a entrar e a sair em permanência", antes "um público cativo que tinha a ver com as elites intelectuais e artísticas da altura". Mas, senhores, havia aqui perto outra Brasileira, que "ainda era mais bonita". Vamos ao "passeio que era o dos grandes cafés do Rossio, que já fecharam todos, excepto o Nicola".

Abrimos o livro e podemos ver, num cartoon de Stuart Carvalhaes, a fachada dessa velha Brasileira, já desaparecida: "Como quase todos os cafés que foram encerrados em Lisboa", é uma dependência bancária, "depois de terem sido completamente destruídos o interior e exterior". Mais à frente, na praça D. João da Câmara, lembram-se dois lendários e imponentes cafés: o Suisso e, hélas!, o Martinho. Desaparecidos e, como é fácil de adivinhar, deram lugar a dependências bancárias. O primeiro café Martinho da vida de Pessoa era este e não o hoje mais célebre, o das arcadas (já lá vamos). Olha-se para a imagem antiga do interior de tectos e paredes trabalhadas à salão palaciano. Olha-se para o interior do banco que agora ocupa o espaço. O progresso tem sempre os seus mártires.

Com um olho em fotos do Rossio a ser remodelado na década de 1920 e outro em vistas da segunda metade do século XX, cruzamos a actual praça entre o caos de gentes e afazeres, carros e comércios. Como sempre, afinal. Encaminhamo-nos para a rectidão da concreta Baixa pombalina, tornada labirinto mental e físico de vários Pessoas, centro de todo um Livro do Desassossego, tornado quase bíblia para muita gente, um terramoto mental. Onde está Fernando? Ele está por todo o lado.

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