Do equipamento faz parte a corda de segurança comum, que aguenta até dois mil quilos, mais cinto de segurança, arreatas e mosquetões individuais, fornecidos pela organização. Tudo é feito sem sobressaltos, mas nem por isso deixa de causar calafrios quando se percebe que se tem de contornar a arriba por fora, sobre um parapeito estreito e escorregadio, à beira do abismo. O prémio é uma visão perturbadora: uma bocarra de pedra dentada de uns cinco por oito metros, a servir de balcão para a cúpula de uma gruta vertical de 50 metros de altura, com as ondas a bater lá no fundo. Também se vislumbra a entrada da vizinha Gruta dos Segredos e, no local, os especialistas chamam a atenção para as rochas arredondadas e outros indícios de que o mar outrora chegou a estas alturas. É, porém, difícil prestar muita atenção, quando se percebe que a única maneira de regressar a "terra firme" é voltar pelo mesmo caminho.
Teste de resistência, Um lugar selvagem
Depois, finalmente, um episódio de descontracção com o almoço-cada-um-tráz-o-seu, no muito pitoresco parque de merendas do Alambre. A próxima e última paragem é em Terras do Risco, meia dúzia de quilómetros antes da descida para o Portinho. Vamos à procura de sumidouros, espécie de poços naturais, por onde se escoam as águas da depressão cavada nestas terras. Na prática: caminhamos por um descampado de terra mole, tipicamente argilosa até encontrarmos um sortido de fendas de diâmetro diverso, actualmente sem água nem fundo à vista.
Aqui, as explicações científicas são mais interessantes do que as vistas. Em zonas deprimidas, o calcário é corroído pelas águas, dando lugar à chamada "terra rossa" ou argilas de descalcificação. A sua impermeabilidade faz com que se acumulem grandes extensões de água nas depressões, o que propicia a formação de sumidouros nos sítios onde a rocha aflora. Estes são, portanto, como galerias de escoamento naturais e a grande questão reside em saber onde é que ela vai parar -, que é como quem diz, onde se encontram os aquíferos de águas doce subterrânea da Arrábida.
Marcadores florescentes colocados nos sumidouros em causa, em 2005, assomaram uma semana depois e em primeiro lugar na chamada Lapa dos Morcegos. É justamente para lá que se encaminha a excursão, atravessando a fabulosa Serra do Risco, também conhecida por Onda da Arrábida (Sebastião da Gama), arredondada para o lado da terra e abrupta para sul. O itinerário processa-se ao longo da ribeira, seca nesta altura do ano, implicando ultrapassar declives por vezes de alturas consideráveis e densas manchas de floresta mediterrânica, que fustigam a mínima mancha de pele desnuda. Voltamos ao mesmo: se para baixo é o desafio do desconhecido, para cima este percurso sempre meio improvisado constitui um verdadeiro teste de resistência.
O ponto de chegada no outro lado do Risco é outro balcão sobre o precipício, desta vez mais dramático, uma vez que se eleva a uns bons 70 metros de altura sobre o mar. Lá em baixo desenha-se a entrada da Gruta dos Morcegos, assim chamada porque é um dos mais importantes abrigos de morcegos em Portugal. Os morcegos gostam de passar o Inverno em grutas frias, o que facilita o seu metabolismo, de modo que esta é a mesma colónia que na metade mais quente do ano fica nas grutas de Alviela. De momento não estão em casa, mas em compensação avistam-se numerosos corvos marinhos, esvoaçando sobre os rochedos, disseminados à entrada da gruta.