Fugas - viagens

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O trilho que abraça Gales

Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch. Os galeses pronunciam o nome facilmente mas para os portugueses pode tornar-se uma verdadeira epopeia — e a verdade é que ele existe, é esta a toponímia de uma pequena aldeia na ilha, uma atracção para milhões que gozam do momento de posar para a fotografia, na estação de caminho-de-ferro, tendo as letras de Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch como fundo. Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch é o lugarejo com um dos nomes mais compridos do mundo e pode traduzir-se por “O povo da igreja de Santa Maria no vale das avelãzeiras próximo do redemoinho junto à igreja de São Tysillo da gruta vermelha”.

O nome parece rivalizar com a grandeza da paisagem do país que, a cada ano, recebe mais visitantes por força de uma aposta no turismo que ganhou outra expressão com o encerramento de um grande número de minas de carvão. Há cem anos, Gales produzia 57 milhões de toneladas, extraídas de 500 minas que empregavam 250 mil pessoas, mas nos dias de hoje não mais do que uma dezena permanece em actividade (dez mil pessoas), uma tendência que se foi exacerbando à medida que o petróleo ia substituindo, progressivamente, o carvão.

Uma brisa do norte empurra para sul, o trilho estende-se pela parte central do país, flecte ligeiramente para o interior ao longo da margem do rio Dyfi, em Machynlleth, admira as dunas de Ynyslas e chega a Cors Fochcno, próximo de Borth, com uma turfeira quase tão velha como o tempo (há quem admita 6000 anos), integrada na reserva natural nacional Dyfi.

Num instante, o verde e o azul revelam contrastes de uma paisagem irreal, a feliz contemplação desde um ponto estratégico dos penhascos de Penderi, com os seus contornos bem definidos servindo de varanda para o mar, naquele que é um dos mais magnificentes percursos ao longo de todo o trilho.

Mais para sul ainda, o cais de Aberystwyth, na costa de Ceredigion — onde o galês é mais frequente nas conversas do que o inglês e as praias se encontram entre as mais limpas do Reino Unido, por ter escapado à invasão da indústria pesada — o cais de Aberystwyth, ia a escrever, está por norma envolto numa doce melancolia mas no Outono os céus enchem-se de estorninhos, mais de dez mil, num espectáculo aéreo conhecido como “murmúrios”.

Mas todo o percurso é feito de murmúrios, vindos das ondas que se quebram, dos pássaros que se insinuam, dos ruídos indecifráveis, na presença da ausência do ser humano, movendo-se como uma serpente para atingir Cardigan Bay, com as suas casas em tons de pastel bordejando o mar e servindo como testemunho do esplendor da época Georgiana.

Com um pouco de sorte e de tempo, no Verão, a baía enche-se de golfinhos, muitos de uma colónia de mais de três centenas, a maior da espécie nariz-de-garrafa em toda a Europa e uma das duas únicas de semi-residentes em todo o Reino Unido. New Quay, aldeia de pouco mais de mil habitantes intimamente ligada a Dylan Thomas — onde o escritor galês viveu durante pouco mais de oito meses — já vai ficando para trás, como Cardigan, onde opto por uma fuga para o interior, à boleia, como em tantas outras vezes, ora com agricultores ora com homens de negócios ingleses — e são muitos aqueles que trabalham em Inglaterra e dormem em Gales, beneficiando dos preços mais em conta do aluguer de casas, humildes especialmente aos olhos de quem chega de uma imponente cidade inglesa.

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