Fugas - Viagens

A favela quer um lugar no turismo do Rio de Janeiro

Por Hugo Daniel Sousa (texto), Nelson Garrido (vídeo e fotos)

A pacificação das favelas do Rio de Janeiro não acabou com o tráfico e a violência. Mas em alguns casos abriu caminho para o turismo, como no morro da Babilónia/Chapéu Mangueira, onde se fazem passeios com vista para a cidade e nasceram vários albergues.

Estamos num morro do Rio de Janeiro, de frente para o mar, num dia de calor. Ouve-se bossa nova como música de fundo e sopra uma brisa agradável na varanda do Favela Inn, um albergue na comunidade Chapéu Mangueira. Na parede, por cima do frigorífico, há um pequeno quadro, que passa quase despercebido aos visitantes, bem mais impressionados com a vista de mar. Mas, quase no final da conversa, Cristiane de Oliveira olha para ele com um sorriso. “Gosto muito desse quadro. Tem praia, asfalto [zonas ricas], Cristo Redentor e favela. A favela faz parte da paisagem”, diz, orgulhosa, a gerente do hostel que já se tornou uma das atracções desta favela pacificada desde 2009, a quarta a receber uma Unidade Pacificadora de Polícia (UPP).

Cristiane já foi cabeleireira, auxiliar de escritório no Ministério de Agricultura, funcionária numa barraca de praia e já ficou em casa a tomar conta dos quatro filhos. Agora é uma empreendedora. Gere o Favela Inn, em sociedade com o marido e o cunhado. Formaram uma empresa e querem ajudar a trazer economia (riqueza) para dentro de uma comunidade ainda muito pobre.

As favelas, quase sempre notícia por maus motivos, estão a tentar entrar no circuito turístico do Rio de Janeiro. Até já existe um site a promovê-las (www.guiadasfavelas.com). Da Rocinha ao Complexo do Alemão, passando pelo Cantagalo e Vidigal, oferece-se um pouco de tudo: bailes, aulas de samba e de funk, feijoadas e churrascos, capoeira e até exposições de grafitti.

Numa manhã quente do Rio, fomos espreitar o Morro da Babilónia/Chapéu Mangueira, a dois passos de Copacabana. No calçadão da praia do Leme, já há muita gente a correr e a passear quando começamos a subir a encosta. Basta andar algumas centenas de metros e entramos noutro mundo. Wagner Luiz, mais conhecido como Vaguinho, espera-nos ao cimo da rua. À esquerda, é a comunidade da Babilónia, à direita a Chapéu Mangueira. Moram aqui dez mil pessoas, diz Vaguinho, homem alto, forte, sorriso franco, vestido com calções claros, uma t-shirt do Favela Inn e sapatilhas sem meias.

Com boné na cabeça e água na mão, iniciamos a subida para o morro da Babilónia, que tem um trilho até à pedra do Urubu, com vista magnífica da cidade. Antes, o esgoto corria pela ladeira abaixo. Agora já há saneamento, embora ainda se sintam no ar muitos maus cheiros. Há obras por todo o lado, na estrada e em casas, construídas para alojar pessoas da favela. Muitos dos caminhos de terra são agora em cimento, abrindo caminho aos moto-táxis, os únicos que sobem à favela.

O caminho é sempre a subir. Passamos à porta de um pequeno posto, azul e branco, onde está instalada a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), formada por 170 agentes. Neste passeio não vimos nenhum polícia. “A gente não viu, mas eles vêem a gente. Eles colocam-se em sítios estratégicos”, explica Vaguinho, que está contente com a nova vida da comunidade. Em favelas como a Rocinha, têm ressurgido problemas entre traficantes e polícia. Na Babilónia e Chapéu Mangueira, as coisas estão mais calmas. “Nada é perfeito. O tráfico não acabou, mas a pacificação acabou com a ostentação de armas e com a bala perdida. Nós, os moradores, é que temos de manter isso”, diz Vaguinho, contando que em tempos a irmã foi baleada à porta de casa. A vida dele, porém, “sempre foi pacificada”.

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