Fugas - Viagens

  • Fernando Veludo/NFactos
  • Fernando Veludo/NFactos
  • Fernando Veludo/NFactos

Por este Douro acima sob auspícios reais

Por Andreia Marques Pereira

Já foi segredo, mas agora é de polichinelo. O Douro é do mundo e o mundo vem cada vez mais até ele. Do Porto até ao coração do Património Mundial da UNESCO há um vaivém de cruzeiros que sulcam o rio e lhe desvendam a cultura. A Fugas também embarcou e fê-lo de forma quase majestática: a bordo do Spirit of Chartwell – que é como quem diz, da “barcaça real”.

O Douro prepara-se para o Verão. No Porto e em Vila Nova de Gaia o movimento de turistas estrangeiros é intenso, no Peso da Régua, Luzia e a família acabam de chegar. Vêm de Paredes, o Verão será passado tendo a carrinha como tecto e a venda de chapéus como modo de vida. Isso remete-os ao cais, onde esperam que os barcos atraquem com visitantes imprevidentes nos seus passeios ao Alto Douro Vinhateiro. Não lhes faltará trabalho pela quantidade de embarcações que vemos a cruzar o rio, acima e abaixo: os barcos apitam, os passageiros acenam. E é assim que, ao desembarcarmos na Régua, encontramos Luzia, banca de chapéus montada, ao lado de outras mulheres que oferecem cerejas, carnudas, vermelho intenso. Conhecem as rotinas fluviais — as horas de chegada, sobretudo. Não miram duas vezes os barcos que chegam e portanto o nosso Spirit of Chartwell passa despercebido.

Mas este é, na realidade, um barco diferente dos outros que fazem o vaivém nesta auto-estrada fluvial a que Miguel Torga chamou “poema geológico”. Deixaremos o poema para mais tarde, porque o barco é a “barcaça real”, o barco que percorreu o Tamisa com a família real britânica a bordo durante as celebrações do jubileu de diamante da rainha Isabel II e que a Douro Azul comprou. Quem viu alguma fotografia do barco nesse dia, engalanado de vermelho, dourado e flores e povoado de chapéus, dificilmente o reconhecerá “à civil”. Cor que está algures entre o creme e o amarelo a combinar com castanho, atrai mais atenção pelas linhas que o desenham: comprido e achatado, o Spirit of Chartwell tem uma aura antiga — não por acaso, várias vezes durante a nossa estadia nele ouvimos alusões a Agatha Christie (imaginemos um Expresso do Oriente aquático).

É no Cais da Ribeira, no Porto, que embarcamos para um cruzeiro de cinco noites que vai do Porto a Barca de Alva e regressa. A noite ainda não chegou, mas o cocktail de recepção já passou e há conversas amenas no lounge e bar, entre madeiras escuras e sofás, janelas a rasgarem tudo, à espera do jantar que se serve cedo. Não fossem alguns atrasos nas visitas a terra e teríamos jantado sempre às 19h — horário adequado à maioria dos turistas que enche os navios-hotel do Douro. Norte-americanos, alemães e britânicos à cabeça — mas no Spirit of Chartwell ninguém esquece a sueca de 90 anos que um dia chegou de mochila às costas. A idade não surpreende tanto, pois a faixa etária média dos passageiros andará pelos 70 anos; a energia e a boa forma física é que não são tão habituais.

Nós zarpamos num cruzeiro que é, portanto, especial. Primeiro porque somos muitos portugueses e ainda mais convidados — sem exageros, porque “muitos” e “mais” têm de ser vistos no contexto do Spirit of Chartwell: 14 camarotes duplos (como o nosso, acolhedor, revestido a madeira, duas camas, casa-de-banho) e uma suite (espreitamo-la por cortesia de Carlos e Ângela Correia, brasileiros e os únicos “não convidados” do cruzeiro: cama dupla, dourados, recanto de estar), para um máximo de 30 passageiros. Depois, porque o roteiro também é adaptado à ocasião. Tem logo à partida, e literalmente, uma diferença assinalável dos que, com a mesma duração, acontecem nos meses de Verão: sai da Ribeira do Porto e não do Peso da Régua.

--%>