Quando chegamos a casa de Fátima Moura, a autora do livro Conversas de Café, já ela preparou na cozinha uma série de utensílios diferentes para nos mostrar que o mundo do café tem muito mais nuances do que pensamos.
Por isso, antes de entrarmos nas histórias que nos conta no livro, numa belíssima edição dos CTT, sentamo-nos à mesa, a ver Fátima moer grãos, medir quantidades de água, recorrer a um termómetro para ver a temperatura, pôr filtros e encaixar peças em diferentes máquinas inventadas pelo homem para melhor apreciar esta bebida que, escreve Fátima, é hoje “a segunda commodity, logo atrás do petróleo” e que, nos últimos anos, se tornou “um objecto de culto no mundo da gastronomia, seguindo de perto os caminhos traçados pelo vinho”.
“Para nós, portugueses, café é praticamente só o expresso”, vai dizendo Fátima. “Ganhámos o gosto por um café intenso, mas o facto é que uma italiana pode ter menos cafeína que um carioca. A cafeína que vamos ter na chávena depende do tempo que a água demora a passar pelo café, e ela extrai mais para o fim do processo.”
Para vermos algumas destas diferenças, oferece-nos um café feito com extracção a frio. “A água quente extrai muito mais coisas do café, e junto com as boas vêem as más, as amargas. Quando extraímos a frio vem menos cafeína e não surgem essas substâncias amargas que são solúveis com o calor. O resultado é um café muito mais doce, com um sabor mais suave, que não é preciso adoçar e que se pode ter no frigorífico durante alguns dias.” É muito melhor do que fazer um café frio a partir de um quente, porque para o arrefecer junta-se água ou gelo, o que o vai diluir.
O tal culto à volta do café de que Fátima fala tem levado a que as coisas se tornem cada vez mais complexas. Há toda a parte do cultivo, da colheita, da torra, do blend, mas nesta “conversa de café” decidimos começar mesmo pelo final do processo: a forma como o bebemos. E é por isso que a autora nos mostra uma cafeteira de elegante bico em forma de S, desenhada para “deitar a água sobre o pó de café de forma perfeita e ao ritmo certo”. Alguns puristas vão ao ponto de discutir se se deve começar a molhar o café a partir da periferia para o centro ou ao contrário, mas não precisamos de chegar tão longe.
Há muitos tipos de cafeteiras, há a chamada “prensa francesa”, a aeropress, o balão, a máquina de expresso, mas desta vez Fátima escolhe a elegante Chemex, peça de museu (está no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque) criada em 1941 pelo químico Peter Schlumbohm e que, escreve a autora, “representa a influência crescente do laboratório na cozinha, uma vez que reúne o célebre frasco Erlenmeyer (do nome do químico alemão seu criador) e um funil”. Mas para a usar é preciso o filtro próprio, que tem duas versões, uma mais cónica e a outra em forma de quadrado grande.
E, a juntar-se a tudo isto, vem a questão da moagem, que pode ser média, grossa ou fina, conforme a cafeteira, o filtro e a nossa preferência (quanto mais grossa a moagem, mais facilmente a água passa pelo pó). “Há teorias para tudo”, diz Fátima. “Nos blogues de especialistas é possível encontrar um que diz que a gramagem ideal são os 17, outro que defende que são os 16. O preciosismo é total.” Confessa que, quando começou a trabalhar no livro, não conhecia a maioria destes utensílios que agora lhe enchem a cozinha, mas reconhece que “a maior parte deles faz um café que aproveita os bons aromas”. E, sublinha, “hoje a tendência mundial são os cafés com pouco corpo e muito aroma”, ao contrário do que é a preferência da maioria dos portugueses.