Natureza à flor da água
Maria Paola Porru não pensava ficar a viver na Armona (N 37º 0" 54.59"" ,W 7º 47" 51.94""). Durante várias décadas a Fuseta foi seu destino de férias, mas um dia "a Fuseta foi-se". "Vim visitar uma amiga." E acabou a fazer da parte sul da ilha a sua casa, quase em cima de uma lagoa que existe ao sabor das marés - hoje, praticamente desapareceu, joga-se futebol no seu vale; à sua volta, casas de férias (alugam-se aos 300, 400 euros por semana, dizem-nos). É daqui que dirige os seus restaurantes, entre eles o Casanostra (Lisboa) e o Casa d"Ouro (Porto) - viaja muito, mas raramente vai "à parte de baixo da ilha", confessa, "é confuso".
Para norte, na "parte baixa", um aglomerado de casas coloridas com restaurantes, lojas, bares, o cais onde os barcos deixam os visitantes que formam uma multidão. Daí parte a longa "avenida" que corta a ilha até ao restaurante Santo António, que já foi à beira-mar e agora está "longe" da baía azul, acompanhada por longo areal, que rapidamente se encontra deserto - é a regra habitual nestas praias da ria Formosa.
Do Ancão à Manta Rota são 60 quilómetros de ria enquadrada em parque natural desde 1978. A linha costeira, baixa, atravessa Loulé, Faro, Olhão, Tavira até Vila Real de Santo António - ao largo, o sapal enquadrado pelas ilhas-barreira que fazem uma meia-lua e protegem o ecossistema. Estão em constante mutação, estas ilhas-dunas, que ora estão a poucas centenas de metros da costa, como Tavira, ora a 13 quilómetros entre canais, como a Culatra - todas separadas por barras naturais onde o Atlântico visita a ria; todas com duas frentes: a da ria e a de mar. As praias mais procuradas estão a sul, viradas ao Atlântico, o que não impede que por exemplo o norte da ilha da Armona surja bem mais "caótico", como uma pequena vila - que é o que encontramos na Culatra, sem o "caos" (mas pode ter sido sorte, admitimos).
Ainda não saímos da marina em Olhão e já estamos imersos na natureza palpitante da ria - as vinagreiras, a que os pescadores chamam "xoxa de velha", começaram a aparecer aqui no último mês (são comuns na Culatra) e flutuam entre os barcos; tocam-se como caracóis. Temos um guia, hoje, Jaime Pinho, e um barco quase à nossa disposição para descobrir as ilhas - connosco vai apenas um casal belga, Alain e Natalie, de Bruges. Com eles descobrimos o nome completo da cidade - Olhão da Restauração, nome que eterniza a primeira revolta popular contra os exércitos napoleónicos; e cruzamo-nos com um dos seus testemunhos - o caíque Bom Sucesso, no qual olhanenses viajaram em 1808 até ao Brasil para dar a boa nova da restauração do Reino do Algarve ao príncipe regente.
As águas da ria escondem muitos segredos e não falamos só da fauna e flora que aqui florescem. Falamos, por exemplo, dos bancos de areia que na maré baixa são ilhotas, das ilhas minúsculas sem nome. Passear por aqui é conhecer as marés e as luas; é conhecer os canais que se embrenham nos canais: Jaime mostra-nos um mapa - o azul está sempre debaixo de água, o verde depende das marés. Vemos bóias a flutuar e sabemos que há gaiolas no fundo para moluscos, até peixe, vemos estacas de madeira e sabemos que estão a delimitar viveiros.