"Quintas do mar", explica Jaime em inglês, como as que vemos nítidas entre a Culatra e os Hangares: uma depressão no terreno que a maré baixa torna pequenas lagoas, aí deixa-se a "comida" para criar ostras, amêijoas (boa, cão, branca), mexilhões, berbigões, lingueirões - é um processo de paciência, de apanhar areia, colocar areia e várias marés para a conclusão. "Cada tarefa tem um tempo." Porém, aqui o trabalho é ajudado por condições naturais excepcionais - com uma profundidade média de dois metros, o sol penetra nas águas, mantendo uma temperatura favorável, o que resulta em plâncton riquíssimo que se mantém estável no sapal graças às ilhas que barram o mar. Assim, a ria funciona como uma espécie de porto de abrigo e incubadora de várias espécie de peixes (79), moluscos (288) e crustáceos (5).
Bunkers e sunset parties
Há quem diga que a Culatra (N 37º 00"07.74, W 7º48"29.55) é a mais completa ilha da ria. E neste mundo é, aliás, três ilhas: Culatra, Hangares e Farol, os núcleos populacionais. Chegamos a ela vindos da Armona, atravessando a barra que já foi a principal entrada na ria, até à construção da barra artificial no Cabo de Santa Maria, no Farol (N 36º 58" 41.57"" ,W 7º 51" 22.83""). A Culatra, núcleo, é uma excepção entre as ilhas - é a única com uma comunidade residente constante, cerca de mil habitantes, que dispõem de centro de saúde, biblioteca, escolas, multibanco...
A Avenida 19 de Julho (que assinala o dia da ilha, aquele de 1987 em que os culatrenses boicotaram as eleições legislativas para reivindicar melhor vida) atravessa a ilha até ao passadiço que chega à praia, passando por lagoas, secas nesta maré baixa, subindo dunas - é visível a resiliência desta vegetação: umas tanto sobrevivem cobertas de água como sob sol inclemente (são halófitas); outras estão expostas ao vento e ao sal. A praia a que chegamos, com espreguiçadeiras e guarda-sóis brancos, tem mais estrangeiros que portugueses: é um quilómetro de caminhada.
O Farol tem praias mais acessíveis e isso é visível na concentração de guarda-sóis e toalhas nos areais - primeiro, uma enseada, depois o areal que se prolonga até à Culatra. Passa os Hangares, zona militar desactivada, rodeada de arames farpados onde ainda se vê um velho bunker dos tempos da I Guerra Mundial, quando aqui começou a ser construído um centro de aviação naval para a luta anti-submarina - do lado da ria, fica o núcleo piscatório, onde um enorme pontão recorda os tempos em que aí ancoravam barcos da marinha.
Há poucos habitantes no Inverno, mas no Verão o Farol enche-se de moradores: os que aí possuem casa ou os que chegam de ferry. Saem deste e atravessam zona de bares, restaurantes, vendedores ambulantes, embrenham-se entre o casario, passam a Associação da Ilha e o farol para chegarem à praia - com dois bares-lounge. Jaime já viveu aqui um Inverno - apenas ele e uns poucos pescadores: "Tomava banho no mar". Rita Sancho chegou há um ano, ao Cais Aqui, bar que abriu com outros sócios do lado da ria. Para trás ficou a carreira na banca em Lisboa. "Passava férias na Deserta, desde miúda. Quando as casas foram demolidas, passámos a vir para aqui." Agora, tem sunset parties todos os dias e adora o novo "escritório" - a ria, Faro ao fundo e o sol por trás.