Enquanto se trocam histórias no pequeno terreiro onde Giolanda e Maria da Glória criam e vendem os seus cestos, pelas ruas de Atenor os burricos fazem as delícias de várias pessoas, a maioria crianças, que se passeiam no seu dorso. "Depois do burro, que em Trás-os-Montes foi sempre um animal de trabalho, ter sido substituído pelas máquinas, a sua existência viu-se ameaçada. Por isso, tinham de se arranjar outras funções para ele."
Hoje, os burros continuam a marcar o dia-a-dia do Planalto Mirandês, mas agora com estatuto de estrelas, cumprindo funções pedagógicas e terapêuticas (com crianças com necessidades especiais), além de as suas fêmeas serem as principais fornecedoras do principal ingrediente de uma linha de cosmética, a TomeloCleo, que tem por base o leite de burra da raça asinina. Uma oportunidade de negócio que juntou o útil ao agradável: não só contribui para a economia local, como para a preservação da espécie asinina autóctone do Planalto Mirandês.
Claro que não se pode esquecer uma das mais importantes novas funções do burro e que pode ser facilmente vivida por qualquer um que procure este refúgio transmontano: a de lazer, servindo de montaria em passeios pela região ou sendo o protagonista de vários eventos, como na Ronda das Adegas, cuja segunda edição decorreu em Junho e por onde encontrámos um pouco de tudo de bom da região: o pão, o vinho, o porco no espeto, os doces, o artesanato... E, acima de tudo, hospitalidade.
"Costuma-se dizer que por aqui "bate à porta, entra, quem é?"". "Ou seja", explica Joana, "primeiro convida-se a entrar; só depois surge a pergunta. E não é apenas uma maneira de dizer; é mesmo assim. O que diz muito das pessoas."
Do belo ao medonho
Logo na primeira noite em Miranda do Douro, Domingos faz-nos um breve resumo do que poderíamos encontrar se decidíssemos embarcar num passeio pelo Douro Internacional ao qual acabaríamos por não resistir. Entre um grupo de espanhóis e uma guia que tanto falava irrepreensivelmente o português como o castelhano - "Quando os meus pais me perguntavam se eu era portuguesa ou espanhola, respondia-lhes que era do rio, e assim não magoava nenhum" -, arriscamos uma incursão pela fronteira de água. Do lado luso, "abençoado por ter exposição solar da parte da manhã", a exuberância do verde. Na parte espanhola, fustigada pelo impiedoso sol da tarde, apenas pedra. Escarpas que parecem ter sido cortadas à faca e que nos reduzem a seres minúsculos.
Uma sensação que, tal como nos descrevia o nosso anfitrião de Malhadas na noite anterior, "tem tanto de belo quanto de medonho" e que se torna ainda mais forte em São João das Arribas, onde "o silêncio revela toda a agressividade do Douro". Já em Santo André, no Souto, é a paz que predomina, sobretudo por altura das amendoeiras em flor. E no miradouro da Fraga do Puio, próximo de Picote, é impossível não sentir a emoção à flor da pele pelo dramatismo da paisagem.
Seria em Picote, aldeia na qual se pode observar um exaustivo trabalho de restauração das várias casas, que teríamos um primeiro contacto com a tal hospitalidade transmontana de que nos falaria Joana mais tarde, já em Atenor. Chegamos sem avisar, mas nem por isso as portas se fecham. Susana, que trabalha para a Frauga - Associação para o Desenvolvimento Integrado de Picote, abre o Terra Mater - Ecomuseu de la Tierra de Miranda logo após nos apresentarmos.