Adeus amigo
Morreu o David Lopes Ramos. Escrevo estas palavras mas não sinto o que elas significam. Sinto o mesmo absurdo de Camus perante a morte da mãe, embora eu tenha libertado uma lágrima pouco depois de saber a notícia. Foi a mesma lágrima que verti anteontem, quando fui visitá-lo ao hospital e levar-lhe beijos das minhas filhas para o "pai Natal". Era assim que elas o viam, pelas suas barbas brancas e pela sua simpatia enternecedora. "Meninas, peçam gelados ao vosso pai!", dizia-lhes ele, em dias de calor. E elas pediam, e pedem todos os dias.
Nada me fazia mais feliz do que ser amigo do David (e da Lila, sua mulher, companheira e amiga). Com ele revivia a mesma bondade e generosidade que conheci nos meus pais e na minha irmã, já falecidos. Invejava-lhe essa capacidade de ser sempre uma boa pessoa, coisa difícil nos dias de hoje.
Esta semana, quando o doutor Eduardo Barroso foi falar com o David, disse-lhe mais ou menos estas palavras: "O senhor é que é o jornalista amigo do senhor Emílio?". O senhor Emílio é o dono do restaurante Tia Matilde, em Lisboa, que, preocupado "com o nosso David", tinha feito uso dos seus conhecimentos para envolver Eduardo Barroso ainda mais no acompanhamento do caso. Há centenas de "senhores Emílios" pelo país fora, pessoas que se deixaram encantar pela sua competência jornalística, pelo seu rigor e isenção, pela sua ética, e que acabaram por ficar amigas dele para o resto da vida.
O clínico levou boas notícias. "Não vou esconder que a situação é difícil. Mas estamos firmemente convencidos de que tudo se vai resolver". Era essa a esperança. A situação era difícil, mas começou a crescer em todos a convicção de que o David iria ganhar esta batalha. A reviravolta na sua situação clínica foi uma surpresa e um choque.
Para me confortar, lembro-me de o David me ter dito um dia, no final de um almoço entre amigos, algo parecido com isto. "Estes prazeres já ninguém mos tira. Se morresse agora, já não podia queixar-me". Mas, aos 63 anos, o David preparava-se para viver uma segunda vida. Tinha acabado de se reformar, a Lila também já se tinha reformado, e os dois iam agora poder passar mais tempo juntos.
Alguns dos amigos mais próximos estavam a preparar um almoço para comemorar essa segunda vida. A doença, surgida repentinamente, não o permitiu. Agora, só nos resta ficar com as memórias dos muitos momentos passados em conjunto, das viagens gastronómicas feitas a Trás-os-Montes, dos jantarinhos em sua casa, da sua palavra educada e amiga, da sua imensa sabedoria, da sua pureza e bondade. Por mim, vou tentar ficar com a imagem do sorriso que esboçou quando lhe levei os beijos ao "Pai Natal". Foi com esse sorriso que me despedi dele, sem saber que era para sempre. Adeus meu grande amigo e desculpa as lágrimas que me estão a cair.
{Pedro Garcias, jornalista, anterior editor da Fugas}
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