Não foi por causa da comida que Miguel Pires marcou o encontro para a esplanada da Cafetaria do Museu Gulbenkian. Foi porque, depois de muitas voltas por Lisboa à descoberta de sítios onde comer e onde comprar comida, acabou muitas vezes aqui a escrever as entradas do seu guia "Lisboa à Mesa" (editado pela Planeta).
Espreitamos o que diz o livro sobre a Gulbenkian e ficamos a perceber por que é que não vamos almoçar aqui: "A Cafetaria do CAM (Centro de Arte Moderna) continua a ser uma boa opção dentro do género, mesmo que tenha parado algures no tempo (o que não é necessariamente mau. [.] Na Cafetaria do Museu de Arte Antiga [onde nos encontramos] o serviço e a comida são inferiores, mas, em compensação, a esplanada é muito agradável. Uma quiche com salada resolve a fome. Em alternativa, almoce no CAM e beba o café aqui." Uma esplanada agradável, portanto, para começarmos a conversa. E começamos por aqui: como é que um publicitário se torna um crítico gastronómico? E como é que um crítico gastronómico organiza um guia de comida em Lisboa? "Acho que [o gosto pela comida] começa sempre por casa. Quando em casa se dá uma importância acima do normal à comida e quando se tem uma mãe boa cozinheira." Era ainda miúdo quando começou a ler jornais, e gostava sobretudo de ler as críticas nessa altura de música, de cinema.
Depois, aos 19, 20 anos, veio para Lisboa, e já espreitava as críticas de gastronomia, as de José Quitério no Expresso, as de David Lopes Ramos no PÚBLICO. A pouco e pouco começou a colaborar em fóruns na Internet, escrevendo sobre comida. "Sempre achei importante a opinião dos outros, para ajudar a formar a minha, mas opiniões toda a gente tem, e é preciso ganhar credibilidade, sobretudo quando se começa num meio online." Foi somando comentários aos seus posts e ganhando confiança. Depois deu-se o salto para os jornais o Oje, o Outlook do Diário Económico, as revistas Wine e Up (da TAP), e a passagem do blogue pessoal Chez Pirez para o Mesa Marcada, com Duarte Calvão, que foi responsável pela página Boa Vida no Diário de Notícias e organiza o festival Peixe em Lisboa, e Rui Falcão, especialista em vinhos.
Desiludido com a publicidade, tomou a decisão de deixar o emprego e passar a dedicar-se a tempo inteiro à crítica gastronómica. No primeiro dia foi dar uma volta, e descobriu-se com tempo para conversar com o senhor do café e a senhora da mercearia. No dia seguinte foi almoçar com o David Lopes Ramos. Começou a pensar que talvez fosse possível. Apresentação feita. Vamos?
Seguimos para a Rua Sá da Bandeira, para o supermercado biológico Miosótis. Uma leitura rápida à entrada que Miguel escreveu no guia e ficamos a saber que, apesar de a venda de produtos biológicos se ter generalizado na última década, "são poucos os lugares que têm alguém com a experiência de Ângelo, que antes de criar a Miosótis foi responsável pela Biocoop, o principal supermercado do género na cidade."
Espreitamos o Factor X (cada uma das 280 entradas do livro inclui um Factor X, uma pista, uma dica, uma informação mais pessoal que o autor nos dá, como uma piscadela de olho do tipo 'não diga a ninguém, mas.'). No caso da Miosótis, Miguel aconselha a ir acompanhando o blogue da loja, "uma boa forma de seguir as notícias sobre os produtos que vão chegando, como o cabrito de raça serpentina, por exemplo." Entramos e Miguel vai falando dos produtos que foi descobrindo aqui, como o rábano rosa, a pastinaca, a rutabaga, o topinambo.