Fugas - restaurantes e bares

  • Luis Efigénio/Nfactos
  • Os irmãos Roca, que gerem El Celler
    Os irmãos Roca, que gerem El Celler DR
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O teatro culinário dos irmãos Roca no seu Celler

Por José Augusto Moreira

Criatividade e inovação é o guião para o El Celler de Can Roca, onde há um rigoroso respeito pelos sabores e a exaltação das emoções. Recordamos a experiência de José Augusto Moreira no "teatro" dos Roca, eleito o melhor restaurante do mundo em 2013.

Fruto do prestígio global da cozinha espanhola e da criatividade e capacidade de inovação dos seus cozinheiros, a Catalunha é hoje uma espécie de Meca gastronómica. Basta olhar para a quantidade de estrelas que o famoso guia Michelin por lá distribui anualmente ou para a lista dos 50 melhores restaurantes do mundo que, igualmente todos os anos, é elaborada pela revista britânica Restaurant [e que acabaria por liderar em 2013], e não restarão dúvidas de que há-de ser por aqui o centro do mundo da gastronomia.

Seja lá o que isso for! É claro que estas classificações valem sempre o que valem e, como já nestas páginas deixou lavrado David Lopes Ramos, a lista dos 50 melhores restaurantes do mundo não é mais que... a lista dos 50 melhores restaurantes do mundo para o júri da revista que os escolhe.

Certo é que tudo isto dá muito prestígio, alimenta o negócio e, em termos gastronómicos, Espanha e os seus cozinheiros são actualmente a mais sólida marca em termos mundiais, com tudo o que isso pode representar. E na tal lista dos supostos melhores do mundo, lá estavam logo a abrir dois catalães, quase vizinhos: o já mítico El Bulli, de Ferran Adrià (que entretanto encerrou), e o El Celler de Can Roca, dos três irmãos Roca, com ascensão meteórica nos últimos anos. Ocupam, respectivamente, o segundo e quarto postos, isto além, claro, do altar das três estrelas no guia Michelin.

É, pois, para a irmandade Roca e o seu restaurante de Girona que se têm voltado todos os olhares. E há que dizer que o merecem plenamente, se bem que isso represente igualmente para eles uma enorme carga de trabalhos. Da presença em fóruns e eventos por todo o mundo às necessidades de criação e investigação permanente, até à exigente clientela que chega de todo o lado e as permanentes solicitações mediáticas. A tudo têm respondido com empenho, rigor e um inexcedível sentido profissional.

O restaurante fica nos limites da cidade, uma típica moradia dos inícios da segunda metade do século findo, cujos espaços foram adaptados de forma exemplar.

Poderia até dizer-se que é um restaurante de família, mas onde não há comida caseira e o ambiente é moderno e requintado. Foi da mãe que os Roca receberam os primeiros ensinamentos e o gosto culinário, já que era por ali que a família explorava uma casa de comidas que ganhou fama e fazia as delícias dos locais. A história é, agora, no entanto, outra. Continua a haver (muito) boa comida, mas o conceito é de grande sofisticação e vanguardismo. Além da substância culinária, tudo tem um contexto e cenários apropriados, que nos transportam para um universo que vai muito para além da típica restauração. Uma espécie de grande gala de teatro culinário.

A cozinha ocupa todo o piso térreo da moradia, tendo a sala de restauração e a extraordinária cave de vinhos (já lá iremos) sido implantadas no espaço exterior, que facilmente se imagina ter sido antes ocupado por jardins. Arquitectura sóbria, discreta e muito elegante, com acolhedora sala de espera/bar onde há vasta literatura ligada ao mundo da comida e dos vinhos, ampla vitrina com centenas de whiskies e competente secção de charutos.

O espaço de recepção fica no início do amplo corredor que faz a ligação à estrutura da moradia, com a sala de refeições à direita e a garrafeira ao fundo. Disposta em duas alas, a sala forma com o corredor um triângulo no meio do qual fica um espaço natural arborizado. Paredes de vidro a deixar entrar a luz, ambiente informal e discreto e o mobiliário fazendo com que cada mesa (todas redondas) tenha um espaço próprio que quase a isola das restantes Reserva para quatro duas semanas antes, sendo o chefe Rui Paula um dos comensais, que assim se despedia de uma estadia de duas semanas (ver abaixo), sendo que entre a clientela de várias nacionalidades havia uma outra mesa com oito portugueses.

Passemos então ao espectáculo gastronómico que, no caso, se desenvolveu em nada menos que 24 actos. Tudo com uma cadência, eficácia e simplicidade imaculadas e onde o lado cénico e emocional está sempre presente.

Tudo começa com a retirada dos três calhaus rolados que ocupam o centro da mesa, simbolizando a união e complementaridade entre os três irmãos Roca. Simbolismo é o que não falta também na primeira coisa que vem à mesa: uma oliveira. Sim, uma árvore mas em estilo bonsai, no meio de cujas folhas se "colhem" umas azeitonas.

Capa crocante caramelizada que se desfaz rapidamente na boca e recheio de anchova. Delicioso e surpreendente, representando os sabores mediterrânicos, a terra e o mar de onde emanam os produtos culinários. Genial também o bombom de espumante rosé que se segue. Bolinha cor-de-rosa (manteiga de cacau) com recheio de sumo de pêssego, cujos sabores explodem literalmente na boca. A cada prato cada surpresa, numa sucessão de emoções que antes não seria fácil de imaginar.

Destaque, no campo das entradas, para a ostra na pedra com vapor de maçã. Umas pedrinhas quentes no fundo de uma espécie de terrina, com uma grelha a meio com a ostra. Derramado um líquido sobre as pedras, liberta-se o calor que provoca uma levíssima cozedura da ostra sem contacto com a fonte de calor. Acompanha um caldo de ostra e uma gota caramelizada de maçã. Soberbo! A finesse repete-se com a gamba na brasa, o parmentier de lavagante, o linguado em azeite (que sabores!) ou o salmonete que é recheado com o próprio fígado.

No sector das carnes, um bife tártaro com gelado de mostarda que é das coisas mais bem concebidas que se possa imaginar, garganta de cordeiro com batata-doce e tangerina, ou a lebre que, imagine-se, acompanha um destilado de terra (espuma branca com o sabor imaculado da terra), a mostrar que a este nível culinário os limites são mesmo os da imaginação.

Entre as sobremesas havia até uma "Viagem a Havana", que incluía o charuto (de chocolate) com a ponta queimada e as suas cinzas (tudo comestível, claro) e respectivo "Mojito". Mas nada foi capaz de despertar tanto as emoções como o leite de ovelha em diferentes texturas. Doce de leite e sorvete da goiaba, tudo envolto num véu de algodão doce de leite.

Servido numa ampla terrina, faz com que para se recolher todos os componentes seja necessário rodar a colher pelos bordos da peça de louça especialmente concebida. O movimento tem o efeito de reproduzir o som dos chocalhos como se, de repente, conduzíssemos o rebanho pela montanha. Este é o exemplo perfeito da genialidade de Jordi Roca, o mais novo dos irmãos, que é o mestre pasteleiro.

O sucesso da casa parece mesmo assentar na competência específica e cada um dos três Roca, com o mais velho, Joan, a dirigir a cozinha, e o do meio, Josef, a tratar dos vinhos. Nesta área, há que dizer que a carta tem mais de quatro mil referências, onde não falta nada do que há de melhor em todo o mundo.

Com uma paixão e sentido profissional sem paralelo, Josef dispõe-se regularmente a levar a clientela a uma visita-guiada pela adega, que está organizada como uma espécie de templo.

Na nave central alinham-se as estantes com fileiras de garrafas e, na parte lateral, algumas "capelas" dedicadas à devoção mais específica. Forradas com a madeira de caixas de vinho, há espaços dedicados às regiões de Champagne, Riesling/Ausele, Borgonha, Priorato e Xerez, cujas especificidades Josep expõe de forma profunda e piedosa, com o apoio de um sistema audiovisual onde vão passando pertinentes imagens e explicações.

É por tudo isto que, mais do que um restaurante, o El Celler de Can Roca é lugar para galas gastronómicas. Os menus, sempre com experiências às dezenas, custam a partir de 135€ por pessoa, mas o preço final é sempre em grande parte ditado por aquilo que se escolher para beber. Às grandes óperas não se vai todos os dias, mas alguma vez se experimentará.

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Rui Paula, duas semanas com o clã Roca

Com o olho nas vanguardas e à procura do mais sofisticado e avançado que se vai fazendo no campo da gastronomia, o irrequieto Rui Paula acaba de passar duas semanas na cozinha do El Celler de Can Roca. Apesar da azáfama que cada vez mais o prende ao seu restaurante DOP, na zona histórica do Porto, o chefe duriense tem plena consciência de que o caminho das estrelas as do guia Michelin, claro passa também pela lógica da vanguarda e da sofisticação, e para isso nada melhor que o laboratório catalão.

Não há nenhum dos estrelados portugueses que não tenha passado por alguma das mais criativas e inovadoras cozinhas. O caso mais recente é o de José Avilez, que passou a sua temporada no El Bulli e depois conquistou a prestigiada distinção para o histórico Tavares, de onde está já de saída, facilmente se percebendo que boa cozinha, critério e respeito pelo produto não serão suficientes para os exigentes inspectores do famoso guia francês.

Rui Paula gosta de dizer que não corre atrás da estrela e que o seu compromisso é antes com a cozinha de raiz portuguesa. Uma coisa, no entanto, não é impedimento para a outra, e depois do reconhecimento conquistado, primeiro no DOC, no Douro, e agora com o DOP, é lógico que é para aí que leva a irreverência e inquietude de Rui Paula. Dos dias que passou em contacto com os irmãos Roca diz ter recolhido grandes ensinamentos, sobretudo no que respeita ao serviço de sala e à organização da cozinha. Garante que nada o fará mudar de conceito, mas é claro que nos próximos tempo a clientela vai poder ver alguns efeitos da lógica molecular.

 

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El Celler de Can Roca
Can Sunyer, 48 17007
Girona, Espanha
Tel.: +34 972 222 157
www.cellercanroca.com | google maps
GPS: N 41.993144, W 2.80793
Preços: Menu degustação desde 135€
Horários: Abre de terça a sábado (fecha para férias em Agosto - 18 a 26, em 2013 -, do Natal ao Dia de Reis e na Semana Santa)

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