Fugas - restaurantes e bares

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Rafa Costa e Silva, o novo menino do Rio, está a encantar os cariocas

Por Alexandra Prado Coelho

Dez anos depois de Roberta Sudbrack ter desbravado caminho na restauração do Rio, é Rafa Costa e Silva quem neste momento está a entusiasmar os cariocas que gostam de alta cozinha.

Jovem (tem 35 anos), Rafa Costa e Silva veio do Mugaritz, o restaurante de Andoni Aduriz (duas estrelas Michelin, número 6 na lista do World’s 50 Best Restaurants). Tal como Roberta Sudbrack há uma década, Rafa sabe exactamente aquilo que quer. .

“Antes de abrir, estava um pouco na incerteza. Não sabia se ia dar certo ou não”, conta, numa conversa com a Fugas em Junho, três meses depois de o seu Lasai ter aberto as portas. “Resolvi vir para o Rio não porque vi o mercado e achei que havia espaço, voltei porque queria voltar.” Levou consigo a mulher, a norte-americana Malena Cardiel, que trabalha ao seu lado no Lasai, esqueceu as propostas que tinha recebido para abrir um espaço em Nova Iorque ou em São Paulo e instalou-se num casarão antigo, restaurado, em Botafogo.

“Sou amigo de muitos chefs aqui no Rio e em São Paulo e tirando o Claude Troisgros, e o filho dele, o Thomas [chefs do Olympe e da rede de restaurantes CT], não houve um que me desse força para o que eu queria fazer. Quando eu contava o que queria, me davam um tapinha nas costas e diziam ‘Tu vais ver que aqui não é a Europa, aqui não vai funcionar, todo o mundo vai reclamar, todos vão querer escolher à la carte’. E eu falei ‘Vou tentar, se não der certo, volto atrás’.”

Não começou “no extremo que queria, que é o da Roberta [Sudbrack] em que a gente tem um menu, senta e come”. No Lasai existem duas opções, um menu mais curto chamado Não Me Conte Histórias, com hipóteses de escolha (três aperitivos, três opções de entrada, três de prato principal e três de sobremesa), e outro mais longo, o Festival (entre 12 e 15 pratos) — e, claro, disponibilidade para fazer ajustes caso os clientes não gostem de alguma coisa em particular.

Um jantar num Lasai é uma experiência completa. Há uma mesa na cozinha, onde se pode ver todo o trabalho, e conversar com o chef e a equipa. Mas na sala — com as mesas decoradas com redomas de vidro no interior das quais estão ingredientes usados na casa — também há muito diálogo. Não poderia ser de outra maneira, aliás, porque há muita coisa a explicar. Um dos mais activos é Oliver Gonzalez, o sommelier venezuelano, que, sobretudo quando os clientes escolhem a harmonização de pratos com bebidas, anda pelas mesas a explicar cada opção e cada vinho — até porque a carta dos vinhos é muito diferente daquela a que estamos habituados noutros restaurantes.

“A minha ideia”, conta Rafa, “era ter uma carta de 60 vinhos, super-enxuta, de preferência orgânicos e biodinâmicos. Antes de a gente abrir, o Oliver veio e durante os dois primeiros meses viveu na minha casa. Era acordar falando nisto, dormir falando nisto. O pessoal me bate porque vem aqui e não encontra um Merlot da Argentina, mas a gente explica que aqui é uma experiência diferente e que você não vai querer tomar o vinho que toma todo o dia.”

O menu também exige explicações, e obriga por vezes a alguma persuasão para que o cliente ultrapasse certos preconceitos. Veja-se o que passou pela mesa no dia em que a Fugas jantou no Lasai. Primeiro, aipim (numa folha estaladiça) com ricotta de ovelha; depois uma delicada tempura de flor de abobrinha com molho cítrico; banana frita com atum do Recife (uma combinação deliciosa); de seguida, tapioca com rabada assada a baixa temperatura, cheia de sabor; uma gulosa torrada de pão caseiro feito com fermento natural, barrada com tomate e tendo em cima lardo (gordura) de espadarte com cura de três meses; um surpreendente flã de grão com caldo claro de porco, de texturas muito suaves, e sabor reconfortante.

Cozinha de produto

Aqui, fazemos uma pausa, para dar destaque a um momento muito especial, de uma delicadeza oriental: um prato de medula óssea de atum, de que só se conseguem extrair cinco discos por animal, muito levemente cozinhada (ou melhor, coagulada) num caldo de grão-de-bico com raspa de limão e sal. Esta é uma iguaria muito apreciada no Japão, país cuja cozinha é uma das referências assumidas de Rafa (para além, claro, da enorme referência que é Andoni Aduriz e o Mugaritz).

O jantar prosseguiu com um prato que levantou algumas dúvidas na mesa do lado (uma das pessoas pediu mesmo para ser substituído): língua cozinhada durante 48h, com beterraba. Excelente para quem não tem problemas em comer língua. Já o prato seguinte é daquele tipo de comida de conforto que conquista qualquer um: gema caipira com creme de inhame e leite de coco e um chip de carne seca — “a nossa versão de bacon com ovos”, brinca Rafa.

Depois veio uma barriga de atum cozinhada a baixa temperatura com puré de batata e milho, pó de milho, cenoura e azeite de urucum (planta tropical de cor vermelha), seguida por umas vieiras com tutano e um caldo meloso de porco, daquelas de ficarmos a tentar furar o fundo do prato para não perder nada. Houve ainda um prato de pirarucu, peixe da Amazónia, muito saboroso, e outro de carne, que decidimos saltar por assumida incapacidade para comer mais — a não ser a sobremesa de biscoito de canela, gelado de canela e maçã cozida.

Inicialmente, Rafa pensava que metade dos clientes iria pedir o menu curto e a outra metade o longo, mas o que ser verifica é que 90% pedem o longo, o que revela que, graças ao trabalho feito nos últimos anos por Roberta Sudbrack, e vários outros chefs que vieram a seguir — como Felipe Bronze do Oro, Pedro de Artagão di Irajá Gastrô ou Thomas Troisgros no Olympe —, a forma de os cariocas encararem a alta cozinha já mudou bastante.

Mas Rafa quer levar as coisas um pouco mais longe. Trabalha já com duas hortas próprias das quais traz a maior parte dos legumes que usa. “A ideia é conseguir fazer coisas que nenhum produtor consegue ou tem interesse em fazer. Além disso, a gente traz sementes da Europa e dos Estados Unidos e planta.” Tudo é ainda muito novo, nem seis meses ainda, por isso há planos que ainda não foram postos em prática. “O ideal é que o meu terceiro andar seja uma cozinha de testes. E gostava de ter uma pessoa que fizesse a ligação entre a horta e o restaurante, para ver a nossa necessidade aqui e ver o que tem na horta.”

Para isso, vai ser preciso consolidar a equipa, para a qual toda esta forma de trabalhar é também muito nova. “Todo o mundo fala que aqui no Brasil a mão-de-obra é muito ruim. Mas não é tanto assim. Se você treina, se dá método adequado, se põe as coisas claras como elas são — você vai trabalhar estas horas, esquece a capa da revista e o jornal porque isso vai ser meio por cento do que você faz, isto não vai te trazer dinheiro nenhum, vai te trazer algum reconhecimento, mas é trabalho. É isso aí, está a fim? Até hoje não tenho o que reclamar de ninguém que está aqui. A pessoa certa não é a que sabe mais, é a que tem mais vontade de aprender.”

Rafa sabe bem o que é aprender. Quando saiu do Brasil foi para estudar no Culinary Institute of America, nos EUA, ao que se seguiu uma passagem por restaurantes americanos. “Aí eu aprendi a ser cozinheiro, era o lixo em pessoa, todo queimado, a roupa suja, correndo que nem um louco. Aprendi a ser rápido, o ter senso de urgência.” Seguiu-se a Europa e a experiência no Mugaritz. “Aí aprendi uma coisa diferente: a ver se uma cenoura está boa, de onde vem isso, se é bom ou não, a provar, a fazer as coisas com cuidado, a mimar o produto.”

Dessas duas experiências tão diferentes saiu a sua identidade como cozinheiro. Só não lhe perguntem se a sua onda é mais de produto ou de técnica. “Hoje quando entro num bom restaurante já imagino que estão usando produto bom. Eles falam ‘Eu faço uma cozinha de produto’. Legal, imagino que eu faço também, porque ninguém vai querer usar produto ruim. Tenho dificuldade em definir a minha cozinha, porque quero ter o direito de fazer uma coisa com técnica, mas também quero ter o direito de no final servir uma batata feita no churrasco com leitão.”

É isso aí. A cozinha do Lasai não precisa de outra definição: é a cozinha do Rafael. E é muito boa.

Lasai
Rua Conde de Irajá, 191
Botafogo – Rio de Janeiro
Tel.: 55 (21) 3449-1834 ou (21) 3449-1854

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Só jantares, de terça a sábado a partir das 19h30

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