Fugas - restaurantes e bares

José Sarmento Matos

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Saborear e digerir a “gastronomia” viral

Entre os participantes nestas acções de promoção estão os bloggers, cuja relevância se mede pelo número de visitas diárias do blogue que têm. Um desses exemplos é o Cinco Quartos de Laranja, blogue da autoria de Isabel Zibaia Rafael com milhares de visitas diárias onde são publicadas receitas, eventos em que participa e relatos de visitas a restaurantes. A blogger faz desde logo a ressalva de que não pretende fazer crítica, mas apenas contar a sua experiência em restaurantes, e recorda as diferenças desde que se iniciou na blogosfera, em 2006: 

“Quando eu comecei, as refeições eram todas pagas por mim, agora já não. Umas são e outras não, mas eu tento passar essa informação aos leitores.” Os convites são espontâneos e ocasionais por parte dos assessores de imprensa, embora por vezes também sejam do seu interesse. “Para mim um dos marcos foi um jantar no Ocean, no Algarve, foi um momento importante”, recorda, a propósito da visita a um restaurante com duas estrelas Michelin.

Isabel não consegue quantificar todos os convites que já recebeu, e sublinha que nem sempre escreve sobre os locais visitados, nem se sente pressionada a fazê-lo. No entanto, Joana Pratas refere a importância de convidar bloggers para eventos, além dos jornalistas. “Os blogues são cada vez mais importantes por causa da amplificação nas redes sociais”, diz. E acrescenta que no futuro podem até ganhar mais peso do que a imprensa.

Se por um lado toda esta visibilidade dada por sitesbloggers e redes sociais tem vantagens para os negócios à volta da restauração, também surgem exemplos menos positivos dessa intensa exposição pública. Em Julho, o New York Times publicou um artigo onde reflectia acerca da obsessão que alguns cozinheiros têm em exibir pratos visualmente apelativos para que os clientes os fotografem e partilhem nas redes sociais, mas que por vezes não sabem tão bem quanto aparentam. 

Em contraponto, alguns cozinheiros norte-americanos e franceses anunciaram que pretendem impedir que os pratos sejam fotografados alegando direitos de imagem e o incómodo que o uso do flash das máquinas provoca a outros clientes, além de perturbar a própria degustação do prato. 

Em França surgiram recentemente dois casos polémicos, como o de uma blogger que foi condenada em tribunal a pagar uma multa e intimada a alterar um post que explicitava no título o nome de um restaurante e acrescentava a frase: “Um local a evitar”. Outra acção inédita partiu de um cozinheiro gaulês que lançou uma petição para impedir “opiniões insultuosas contra donos de restaurantes” por parte dos clientes que utilizam sites especializados em classificar hotéis e restaurantes.

Antes de toda esta avalancha de informação está a crítica gastronómica, que desde a sua origem, há mais de dois séculos, ficou marcada pelo facto de emitir um julgamento no subjectivo e sensível domínio do gosto. Em Portugal, a crítica está a comemorar 60 anos de existência graças à coluna que Alfredo de Morais começou em Novembro de 1954 no jornal O Cronista. A crónica inicial, intitulada Um jantar de poetas, referia o “restaurante da Clementina”, onde se terá destacado um “linguado au gratin”, seguindo-se depois 43 textos assinados pelo jornalista até Maio de 1958. 

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