Fugas - restaurantes e bares

José Sarmento Matos

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Saborear e digerir a “gastronomia” viral

Aberto o caminho na imprensa portuguesa, há um nome que se impôs em quase dois terços destas seis décadas. Ao iniciar-se em 1975 na revista Tilt, passando no ano seguinte para o jornal Expresso, o jornalista José Quitério criou um estilo próprio de escrita e formatou a forma de fazer crítica baseada em ética e deontologia profissionais. Curiosamente, os seus quase 40 anos de actividade, num mundo maioritariamente masculino, talvez só sejam superados a nível internacional pela jornalista inglesa Fay Maschler, do jornal Evening Standard, que se iniciou na crítica gastronómica em 1972.

 A fiabilidade das críticas publicadas em revistas, jornais, blogues ou redes sociais é mais um factor com que os amantes da gastronomia têm de lidar, situação que Teresa Vivas, da empresa Chefs Agency, que além de comunicar restaurantes também agencia chefes de cozinha, encara com algum cepticismo, pois acha que a qualidade da crítica em Portugal decaiu muito. 

No entanto, e sem querer generalizar, pois conhece chefs que retiram o melhor das críticas que lhes fazem reparos, Teresa Vivas reconhece: “Há outros chefs que nunca entendem que a crítica seja pertinente.” Por outro lado, Joana Pratas admite que os restaurantes preferem saber antecipadamente da presença de jornalistas ou críticos, para poderem controlar melhor a refeição e surpreenderem. “Já houve um caso ou outro em que me disseram: ‘Quero que venha cá o Quitério’ – por saberem que há ali uma crítica num grande meio [de comunicação] ” – mas acrescenta que não foi possível satisfazer esses pedidos pela dificuldade em abordar o jornalista em causa. No entanto, não vê isso como um problema, pois os leitores nem sempre distinguem o que é crítica do que é divulgação.

O manancial de informação que existe funciona como uma espécie de banquete comunitário em que cada um contribui com a sua parte. Cabe ao apreciador de informação gastronómica seleccionar e digerir as suas escolhas de uma mesa farta e tentar perceber em cada “prato informativo” onde estão “ingredientes” como rigor, conhecimento, deontologia, critério editorial, opiniões avulsas e sem filtro – e por vezes até ajustes de contas virtuais. No fundo, é perceber a fronteira entre “formar” opinião ou deixar-se “enformar” pelo efeito viral da multidão que opina acerca de um mundo cujos interesses pessoais têm mais de racional do que de paixão.

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